Ópera Olga – densidade e ousadia estética de Antunes
Em outubro, o maestro Jorge Antunes conseguiu realizar seu sonho: a estréia mundial da ópera Olga. Foi no Theatro Municipal em São Paulo que milhares de pessoas assistiram a cinco exibições do espetáculo que conta a história da comunista judia alemã Olga Benário Prestes, companheira de Luís Carlos Prestes, deportada grávida e assassinada pela Alemanha nazista em 1942.
Olga fazia parte do imaginário de Antunes desde criança, quando sua mãe lhe contava a história da corajosa revolucionária. “Era uma história proibida que eu guardei desde criança. A Olga grávida, que se jogou na frente do Prestes pra protegê-lo da polícia”, lembra.
Para escrever a ópera foram ao todo dez anos entre estudos – baseados nas duas biografias sobre a militante (a de Ruth Werner e a de Fernando Morais) – e pesquisas nos campos de concentração da Alemanha e no Museu do Holocausto em Israel.
No entanto, para encená-la, Antunes teve de enfrentar uma batalha que durou outra década. “Comecei a ir atrás do empresariado em 1996. Tentei em 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002”. O desespero foi tanto que ele chegou a organizar em 2003 uma exposição-protesto chamada Um Palco para Olga no hall da UnB (Universidade de Brasília) com a exibição de mais de 60 cartas que recebeu de empresas públicas e privadas negando-lhe apoio.
Para a estréia em São Paulo, Jorge Antunes contou com a ajuda do maestro Jamil Maluf, diretor artístico do Theatro Municipal, que já conhecia a partitura desde 2003.
Segundo Antunes, a lei de incentivo fiscal não não funciona. “Na mesa do empresário chega o projeto da ópera Olga, de um show da Daniela Mercury no Ibirapuera e um do Roberto Carlos no Canecão. É claro que o empresário vai dar preferência àquele que tem mais público e que lhe dá retorno imediato”.
Para ele, a lei se tornou a “privatização do apoio à cultura. A Constituição Brasileira fala que o apoio à cultura é dever do Estado, mas o neoliberalismo vem fazendo isso até mesmo com o apoio à cultura, seguindo os moldes norte-americanos onde tudo é financiado pelas empresas privadas. Então até o poder da censura o empresário tem”.
O maestro reconhece que o sucesso do filme Olga, lançado em 2005, ajudou a abrandar a abordagem do período. Mas pontua: “a mentalidade no Brasil passou a ser assim ‘se a Globo faz então está liberado’. O filme fez foi banalizar e vulgarizar a história. Abrandou demais a figura cruel de Filinto Muller.
O sistema fez isso com o Che Guevara, transformou numa figura de camiseta e boné”.
“Você pega os livros de história da meninada, ainda chamam o Levante Popular de 35 de Intentona. É muito preconceito. Falaram uma vez que a família do Filinto Miller está por aí ainda. No Senado até existe uma ala Filinto Miller!”, disse.
Além disso, para Antunes, ainda existe cisma com óperas. “Até as esquerdas dizem que é coisa das elites”. Pelo contrário, a obra é de vanguarda com música experimental, inserções eletroacústicas, referências ao folclore nordestino e montagem ousada com exibições de imagens em telas.
Concretizado o sonho, Antunes está realizado. “Depois de cada espetáculo tem sempre um senhor mais velho que me diz que era militante do ‘PCbão’ e que viveu isso tudo. Eu fico imaginando como esse pessoal fica sensibilizado”. Em uma das cenas mais bonitas e a única em que a platéia aplaude no meio do ato, o elenco canta a Internacional enquanto representa os presos políticos da época.
A emoção também envolveu o elenco do espetáculo. “No primeiro ensaio geral, William Pereira (direção cênica) me falou: ‘maestro, o teatro está em comoção’. Ele me contou que nos primeiros ensaios com a orquestra, o pessoal parava porque os membros do coro começavam a chorar. A Marta Herr (protagonista), no primeiro ensaio com a orquestra, também teve um acesso de choro”. Outro momento emocionante é quando Marta canta a carta de despedida que Olga escreveu a Prestes e sua filha Anita sabendo que seria morta em curto prazo.
Ainda não existe uma nova temporada prevista para a apresentação de Olga, mas o maestro está entusiasmado. “No Brasil existem grandes teatros que podem fazer isso. Tem Belém, Manaus, Rio de Janeiro, Belo Horizonte… E estou sabendo que vários diretores de orquestras estão vindo para assisti-la”. Vamos torcer!
Mônica Simioni é jornalista.
EDIÇÃO 87, OUT/NOV, 2006, PÁGINAS 44, 46, 47, 48