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    Comunicação

    As aventuras de Zé Amaro: O gás

          Não sei se vocês lembram, mas Zé Amaro vivia de favor na casa de um amigo. Seu ''aposento'' era debaixo da escada, num vão dois de comprimento por um e meio de largura. O ponto mais alto do teto ficava a metro e meio do chão. O mais baixo, não dava meio. Seu endereço […]

    POR: Redação

    5 min de leitura

          Não sei se vocês lembram, mas Zé Amaro vivia de favor na casa de um amigo. Seu ''aposento'' era debaixo da escada, num vão dois de comprimento por um e meio de largura. O ponto mais alto do teto ficava a metro e meio do chão. O mais baixo, não dava meio. Seu endereço situava-se, pois, no que deveria ser uma despensa. Colchonete casca de cebola no chão, roupas amontoadas numa mala no canto baixo, ali ele dormia, fumava, lia, pensava e fodia.

          Não trabalhava. Sua vida era um eterno expediente: almoço num amigo aqui, janta noutro ali, café acolá – pagava tudo isso com seu papo e simpatia. Homem culto, devorador de  jornais e livros de todo o tipo (filosofia, política, história, poesia de cordel, novela de putaria), exibia seu conhecimento sem a menor afetação. Exibia, não: brindava o ouvinte com informações e análises espantosamente acuradas.

          Dona Dilma, decana da Biblioteca Municipal, se admirava da velocidade com que os livros emprestados a Amaro iam e vinham na semana. A primeira vez que o viu, dera adeus, pesarosa e antecipadamente resignada, ao Marx que lhe registrara no cartão da circulante. Dali a sete dias, olha o alemão de volta, devolvido em troca do genro Lafargue e da eterna gratidão da bibliotecária.

          Depois do casamento, sem eira, nem beira, Amaro, mais Rosalina, se aboletou na casa dos sogros. Seu Adauto, major reformado, pai da nubente, ajeitou a edícula nos fundos do imóvel e lá instalou o casal. Não por gosto, arrumou trabalho pra Amaro no restaurante de um amigo. Prestou não: era comum encontrar o sujeito na adega, bêbo que só um gambá.

          Após inúmeras tentativas, brigas, ameaças de morte e suicídio, major Adauto desistiu e setenciou:

          – Agaranto o rancho de minha filha. O seu, vá caçar onde comer.

          – Mas, Major, não faça um injustiça destas. Não vê que é pecado deixar um alguém assim passar fome? – interpelou, jeitoso, Amaro. Todavia, sem resultado.

          Diante da máscara impassível do sogro, resolveu negociar:

          – Major seu Adauto, façamos, então, o seguinte: eu pago a conta do gás, o senhor dá de comer à sua filha e eu fico com uma refeição.

           – Como é? E vossência vai pagar o gás com o quê? Bufa?

          – Isso já é um outro assunto, seu Adauto. Não vamos misturar as coisas. Pago o gás e comemos eu mais Rosalina.

          O militar mediu Amaro de alto a baixo. Meditou, meditou. Concluiu que estava prestes a fazer um mau negócio, mas não tinha jeito: a menina escolheu esse traste pra marido, que remédio?

          – Marialva.

          – Nhô?

          – Vá buscar a conta de gás e entregue aqui a esse meu genro. A partir de hoje, o assunto é com ele.

          – Oxente, e ainda não pagaram esse mês não, é? – inquiriu Amaro.

          Seu Major voltou a medir o cidadão. Catou a conta da mão da empregada e a entregou ao cujo.

          – Marialva.

          – Nhô?

          – A partir de amanhã só sirva a esse meu genro o café da manhã.

          Amaro se indignou:

          – Como é, home? E o Estado democrático de direito, fica aonde? Um cristão não pode escolher nem o de comer não, é?

          – Café da manhã: pão com manteiga, café com leite e uma fruta – ordenou o Major seu Adauto, pai de Rosalina, senhor daqueles domínios.