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    Comunicação

    Palmares

    I No alto da serra, A palmeira ao vento. Palmeira, mastro De bandeira, cruz De madeira, pálio De fúnebre liteira, Que negro suado, Crucificado Traído, morto, Velas ainda? Não sei, não sabes, Não sabem. Os ratos Roem seu livro, Comem seu queijo E calam-se, que o tempo Apaga a mancha De sangue no tapete E […]

    POR: Redação

    2 min de leitura

    I

    No alto da serra,
    A palmeira ao vento.
    Palmeira, mastro
    De bandeira, cruz
    De madeira, pálio
    De fúnebre liteira,
    Que negro suado,
    Crucificado
    Traído, morto,
    Velas ainda?
    Não sei, não sabes,
    Não sabem. Os ratos
    Roem seu livro,
    Comem seu queijo
    E calam-se, que o tempo
    Apaga a mancha
    De sangue no tapete
    E perdoa o gato
    Punitivos. Os ratos
    Não clamam, os ratos
    Não acusam, os ratos
    Escondem
    O crime de Palmares.

    II

    Negra cidade
    Da liberdade
    Forjada na sombra
    Da senzala, no medo
    Da floresta, no sal
    Do tronco, no verde
    Cáustico na da cana, nas rodas
    Da moenda.
    Sonhada no banzo,
    Dançada no bumba,
    Rezada na macumba,
    Negra cidade
    Da felicidade,
    Onde a chaga se cura,
    O grilhão se parte,
    O pão se reparte
    E o reino de Ogun,
    Sangô, Olorun,
    Instala-se na terra
    E o negro sem dono,
    O negro sem feitor,
    Semeia seu milho,
    Espreme sua cana,
    Ensina seu filho
    A olhar para o céu
    Sem ódio ou temor.
    Negra cidade
    Dos negros, obstinada
    Em sua força de tigre,
    Em seu orgulho de puma,
    Em sua paz de ovelha.
    Negra cidade
    Dos negros, castigada
    Sobre a pedra rude
    E elementar e amarga.
    Negra cidade
    Do velho enforcado,
    Da virgem violada,
    Do infante queimado,
    De zumbi traído.
    Negra cidade
    Dos túmulos, Palmares.

    III

    Domingos Jorge, velho
    Chacal, a barba
    Sinistramente grave
    E o sangue
    Curtindo-lhe o couro
    Da alma mercenária.
    Domingos Jorge, velho
    Verdugo, qual
    A tua paga?
    Um punhado de ouro?
    Um reino de vento?
    Um brasão de horror?
    Um brasão: abutre
    Em campo negro,
    Palmeira decepada,
    Por timbre, negro esquife.
    Domingos Jorge Velho,
    Teu nome guardou –o
    A memória dos justos.
    Um dia, em Palmares,
    No mesmo chão do crime,
    Terás teu mausoléu:
    Lápide enterrada
    Na areia e, sobre ela,
    A urina dos cães,
    O vômito dos corvos
    E o desprezo eterno.

     

    Melhores Poemas José Paulo Paes – Seleção de Davi Arrigucci Jr.
    Editora Global
    Digitação Camila