Ida à Padaria
[Rio de Janeiro]
Esta noite a lua contempla
a avenida Copacabana
em vez de olhar para o mar,
e as coisas mais cotidianas
são novas pra ela. Debruça-se
sobre os fios frouxos dos bondes.
Lá embaixo, os trilhos se esgueiram
até se fundirem ao longe
(entre carros estacionados
que lembram balões coloridos
já murchos e moribundos);
os fios, pela lua atraídos,
somem numa nebulosa
longínqua. A padaria
está imersa na meia-luz –
estamos racionando energia.
Os bolos, de olhar esgazeado,
parecem que vão desmaiar,
As tortas, gosmentas, vermelhas,
doem. O que devo comprar?
Misturam milho à farinha
e as bisnagas ficam doentias –
pacientes de febre amarela
amontoados na enfermaria.
O padeiro, doente, sugere
“pães de leite” em vez de bolo.
Eu compro, e é como levar
um bebezinho no colo.
Sob falsa amendoeira
uma puta ainda menina
dança um chá-chá-chá, girando
como um átomo na esquina.
À sombra negra do meu prédio
um negro levanta a camisa
pra mostra um curativo
cobrindo negra ferida.
Com um bafo de cachaça
potente feito uma bazuca
aponta a bandagem branca
e me diz coisas malucas.
Dou-lhe dinheiro e boa-noite,
por força do hábito. Ah!
Não haveria uma palavra
mais relevante pra lhe dar?
O Iceberg Imaginário e outros poemas – Elizabeth Bishop
Seleção, tradução e estudo crítico de Paulo Henriques Britto
Editora Schwarcz ltda – edição 2001 – Companhia das Letras