“Lá em cima do piano
Tem um copo de veneno
Quem bebeu morreu
O azar foi seu”

Lá em cima
 de meu armário
 (perto do céu
e do coração)
espera-me
espreita-me
numa fresta da festa
meu paciente violão

 …pleno de veneno…

Lá em cima: apenas um filete de objeto – mudo ciclope.
 Na foto que tiras de mim
  ele não aparecerá.
  
  – É meu segredo: meu azar – 

Sempre olho para ele cúmplice
            das cordas rompidas
            da imobilidade elegante
            do respeito que impõe a ti
                             mesmo assim quase

oculto.
 
 (O exemplar comportamento nosso:
 conformados como um quadro
no pequenês quarto burguês
um adorno de pinho morto
cancro sutil de sóbria purpurina.)
 
E ele me olha sempre – super ego surdo –
   do oco
   fundo
   de sua quase
   morte.
  Temo-o.
E temo os cachos de cascavel
 que cochicham
 dentro do
 inviolável bucho
a morte da canção.
 Outrossim cultivo
  calos aguerridos
 na ponta de cada dedo
  para tocar em suas cordas
 (Quem sabe?!)
  o falso alarme da ressurreição.

 Esperamos nós dois
– madeiras tratadas sob capa blindada –
outra vez
 rebentar
  a
  ditadura militar…
 ou qualquer outra forma
 de relativo terror
 contra a qual se lute
 com certeza do lado
 do bem.

 Aí poderemos
 fazer sensacionais
 canções de protesto.
 Canções do contra
 contra a tortura,
 contra a censura,
 contra a opressão.
 Ah! Brilhar em festivais!

Por enquanto, continuamos:
  i) andando assim
   quietões, tímidos e sem jeito
     no glorioso
     recesso da ironia;
  ii) suportando as forças
  do ressentimento   
machado em nossa orelha
     que se fende
e fede
   no meio do fogo
cruzado vil
     de uma neoliberal
guerra
     de almofadas,
       atiçada pelo telejornal;
iii) descartando a poesia;
   iv) procurando
    a fama
  em algum desvão do dormitório
com o faro
    de parlendas
  nutridas por um parnasianismo
    que não passa.