Ninguém acreditava. Pensavam: <>
Mas sabiam por dois,
por três, por todos. Alinhavam-se
sobre o tempo que parara
as casas de funcionários e comerciantes,
os pátios, as árvores, e lá dentro
gralhas, ébrias de sol,
excitadas com as esposas
que gritam, para que daí em diante essas loucas não
se ponham a pecar, que diabo!
Tinha no rosto rugas húmidas
como vincos rasgados nas feições.

Era um dia, um dia inofensivo, mais
do que dezenas de dias vividos antes.
Amontoava-se o povo em parada à entrada,
como se um tiro os tivesse formado.
Como, esmagados, são esborrachados pelas águas
sargos e lúcios na explosão do petardo,
como o suspiro de um tiro a sério.

Tu dormias, deitado num leito de trapos,
Tu dormias e, os calafrios acalmados,
– Belo, aos vinte e dois anos .
Como anunciava o teu tetráptico.
Tu dormias, a face contra a almofada,
dormias – com todas as pernas, com toda a força,
penetrando de novo e com novo ímpeto
no reino dos mitos recentes.

Viram-te nele entrar ostensivamente
e chegares de um só salto;
o teu tiro foi semelhante ao Etna
nos contrafortes de covardes e poltrões.

 

Poetas Russos – Boris Pasternak
Tradução, prólogo e notas de Manuel de Seabra
Editora Relógio D’Água Editores – edição 1995