A cidade é palco
de uma guerra insana
poucas vezes santa

A cidade é sonho
de que só se desperta
na canção da treva

Nela se vive de esperar
que o amanhã nos traga
um amanhã mais leve

Tribos se cruzam, insones,
no transe de viajar
na transa dos desejos

Mal amanhece,
e em suas ruas rugem
milhares de bólidos semoventes

 
Na pressa de viver,
todos vão aos seus compromissos
como em espécie de rito – ou vício.

Na normose de sermos nevróticos
vamos cruzando com outros neuróticos
“Na hora espandongada do almoço”

em que somos consumidos
pela fome pantagruélica dos desejos
jamais saciados

       II

Quando não é o futuro
a ser conquistado,
é o passado a ser esquecido

Há sempre um olhar
de desespero ou medo
a esperar, nos sinaleiros

Ou vem incendiar o dia
um olhar aceso de esperança
ou cheio de ilusões vazias

Quando não é a busca vã
do essencial emprego
é o desespero de perdê-lo

Mais densa a treva de existir
quando vemos entrar em oblívio
aquilo que nos mantinha vivos

Vertiginosa e violenta é a cidade,
Babel de línguas e despistes,
“espaçonaves, guerrilhas”,

em triviais combates
que ao mesmo tempo nos matam
e nos alimentam.

 Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.