Avançar rumo à verdadeira revolução democrática no Chile
A situação do Chile, na cadeia global da imposição da hegemonia do capital financeiro internacional, não é exceção. Pela nossa concepção, o neoliberalismo e o seu pólo oposto – a democracia a que aspiramos – não são categorias puramente econômicas ou puramente políticas.
O neoliberalismo é um sistema econômico que sustenta um modelo de sociedade totalmente a serviço dos interesses mercantis e utilitários das grandes transnacionais, e se reproduz politicamente mediante uma democracia restrita e excludente cujos limites são assinalados por esses interesses. A exclusão política e social – prejudicial a milhões de compatriotas – é parte integrante da estratégia voltada para manter esse sistema inalterável.
Os rígidos marcos institucionais, os privilégios outorgados às grandes empresas transnacionais e à concentração de poder e riqueza, as grandes desigualdades sociais extremas, a falta de soberania econômica, a corrupção que grassa na administração do Estado, entre outros aspectos, estabelecem a impossibilidade de avanço rumo a uma sociedade justa, plenamente democrática, e a um efetivo desenvolvimento econômico nacional.
Sem uma concepção democrática participativa de alternativa – em seus aspectos fundamentais – à imposição neoliberal, torna-se impossível construir os objetivos de justiça social almejados pelo povo.
A solução para a contradição entre neoliberalismo e democracia é a conquista de um governo democrático, nacional e de justiça social com a unidade e a luta do povo.
O golpe de Estado significou o fim de um ciclo histórico de lutas populares que conseguiram alcançar o triunfo do governo da Unidade Popular, levando à presidência da República Salvador Allende. Pôs fim à era republicana durante a qual os trabalhadores e o povo obtiveram importantes conquistas no campo político, social, econômico e cultural que levaram nosso país a se tornar um dos mais avançados nesses aspectos. Impôs uma contra-revolução antidemocrática, com uma Constituição e um sistema institucional como sustento “legal” ao processo de privatização e desnacionalização das empresas estatais e à renúncia de nossa soberania econômica.
O Chile ficou marcado no mundo como o “laboratório mundial do neoliberalismo”, com uma concentração de poder político e econômico jamais vista em nossa história; de exploração; de grave falta de direitos dos trabalhadores e de abandono, uso e abuso de seus direitos. Até hoje 50% dos chilenos não têm direito a uma velhice digna por não terem acesso ao sistema previdenciário.
A transnacionalização do poder, a falta de democracia e a concentração da economia repercutiram profundamente em nossa sociedade. Pela análise das conclusões de uma comissão examinadora da Câmara dos Deputados, observa-se que a perda patrimonial do Estado com a privatização de empresas durante a ditadura somente entre 1985 e 1990 chegou a US$ 4.200 milhões, sem considerar a histórica dívida da reserva privada na raiz da crise de 1982 que continuamos – todos os chilenos – pagando e que passou a US$ 7 bilhões. Apenas com a venda das ações da CAP (Companhia de Aço do Pacífico) por US$ 110 milhões houve uma perda de US$ 700 milhões, pois o preço real era mais de US$ 800 milhões.
É importante conhecer a parte de nossa história que pretendem ocultar para não serem levadas a erro as atuais, e futuras, gerações – às quais querem fazer acreditar que o desenvolvimento do Chile se deve à imposição do neoliberalismo, em relação ao qual, incluindo setores da direita e alguns da “concertación”, pretendiam fazer uma apologia ao ditador Augusto Pinochet.
Em 1939, durante o governo da Frente Popular, encabeçado por Pedro Aguirre Cerda, é que se deu origem a uma etapa de profundo desenvolvimento industrial – no essencial a criação de empresas estatais – e à concessão de créditos diretos para a criação de uma área privada ou mista da economia. Foram criadas: a Endesa (Empresa Nacional de Eletricidade), a Enap (Empresa Nacional de Petróleo), a Cap (Companhia de Aço do Pacífico), as manufatureiras Madeco, Mademsa, Ferriloza, Vidrios Lirquen, Loca Penco, a Lan Chile (Linha Aérea Nacional), a Emporchi (Empresa Portuária do Chile), a Honsa (Empresa Hoteleira Nacional) e a Iansa (Indústria Açucareira Nacional).
Anos depois – sob a mesma premissa estatal – foram criadas a Enami (Empresa Nacional de Mineração), a Fundição de Paipote, a Refinaria de Petróleo de Con Con, Entel, TVN, Chile Films, Inacap, Sercotec, Laboratórios Chile, Pesqueira Arauco, dentre muitas outras.
Dessa histórica construção da nossa soberania econômica é que se obteve, durante o governo de Salvador Allende, a nacionalização do cobre, que nos havia sido espoliada. Os governos da “concertación” continuaram com as privatizações que incluíam o repasse de 65% da exploração do nosso cobre para as mãos das transnacionais – que levam do país utilidades num valor próximo dos US$ 20 milhões, ao ano, pagando irrisórios impostos.
A tão desmedida e ilusória afirmação de que o Chile é um país exitoso em sua macroeconomia desconsidera a obscura realidade de que ela é exitosa apenas para uns poucos, de que é obtida praticamente com a venda do país e à custa de um desumano processo de pauperização dos trabalhadores e agudização de problemas sociais como educação, saúde, moradia. Neste país tão exitoso proliferam com altos índices fenômenos como drogas, violência familiar, delinqüência, enfermidades mentais. Sofremos a pior distribuição da riqueza da América Latina, um alto grau de pobreza e ociosidade estruturais que o sistema não resolverá. (…)
O Chile encontra-se entre os países do mundo com as maiores desigualdades. As diferenças econômicas – longe de diminuir – aumentam a cada dia mais. Nos nove primeiros meses de 2006 quinze das principais empresas embolsaram benefícios equivalentes ao que receberam como salário nesse mesmo período um milhão e quinhentos mil trabalhadores. Algumas delas – como a Colbun do grupo Matte – obtiveram um aumento de 150% em suas vantagens e o espanhol Enersis de 530%.
O sistema tributário é uma das outras causas dessas desigualdades. A grande massa de chilenos paga 19% pelo IVA, por tudo o que consome e, ainda, deve somar a isso 20% de desconto de seus vencimentos para saúde e aposentadoria. Em compensação, o imposto de renda no Chile é um dos mais baixos do mundo, ademais os grandes capitalistas e altos executivos gozam de inúmeras isenções tributárias com devoluções pelo IVA e descontos no imposto de renda. Tais privilégios financiados por todos os chilenos custam ao fisco por volta de US$ 3.200 milhões anuais.
A desigualdade na educação é outra causa incontestável de como são reproduzidas as diferenças e injustiças. As escolas particulares subvencionadas e as universidades particulares – mais de 50% no país – se enriquecem graças às subvenções do Estado e ao sacrifício de pais. Já a educação pública (em nível secundário e superior) conturba-se sem recursos e endividada, sem possibilidades de melhorar suas infra-estruturas ou a qualidade do ensino. No Chile apenas 4,5% do PIB vão para a educação.
Segundo dados oficiais – bastante questionados – há em nosso “paraíso neoliberal” mais de 600 mil ociosos, 800 mil sobreviventes em acampamentos, mais de 1 milhão de subempregados, 3 milhões na pobreza e 10 milhões com vencimentos inferiores – ou apenas superiores – ao salário mínimo.
No outro extremo, os 10% mais ricos da população apoderam-se de uma quantidade maior de acesso do que 70% de todos os chilenos. A concentração da riqueza e o dinheiro excedente dos muito ricos são tão grandes que aproximadamente 70 mil famílias ricas (não mais de 2%) possuem cada uma mais de 53 milhões de Pesos de excedentes líquidos pelo menos. (…)
Como delineou o presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), “no Chile de hoje não há alternativas. Os espaços democráticos são os que o modelo permite. Não assistimos à construção de uma democracia real. Enquanto o país e os trabalhadores presumiam ser abertos espaços para a discussão dos temas amplamente desrespeitados, os grandes empresários, a direita e os liberais da “concertación” realizam uma ofensiva para enterrar as esperanças de melhores direitos e novamente colocam na pauta os temas da desproteção dos trabalhadores. A maneira ortodoxa de aplicação do modelo não permite espaços para a exposição da dimensão social e ficamos atados às políticas daqueles que apostam num país para os ricos e os grandes negócios. As políticas sociais apenas se limitam a entregar subsídios para os pobres enquanto negam os direitos trabalhistas e sindicais aos trabalhadores que, junto aos setores médios, são os que continuam sem respostas”.
Há claros sinais de que a economia interna desacelera, apesar dos altos preços do cobre, da celulose e de outras matérias-primas e dos enormes excedentes que deixam.
Entre as causas disso estão: o baixo poder aquisitivo da maioria assalariada – já altamente endividada com os usurários interesses bancários e comerciais –, a enorme fuga de capitais transferidos para o exterior pelas crescentes ambições das transnacionais e as economias dos trabalhadores convertidas pelas AFP (Administradoras particulares dos fundos de pensão) no exterior ou em empresas relacionadas em mais de US$ 80 milhões.
Todo esse processo de transnacionalização do poder e concentração da riqueza foi iniciado a partir de 11 de setembro de 1973, cerceando os direitos dos trabalhadores, com a repressão e o genocídio, com os mais cruéis crimes de lesa-pátria, com milhares de mortos e desaparecidos.
Tudo pela democracia e a justiça social! Essa, a consigna que engloba a luta pelos direitos humanos, políticos, econômicos, sociais e culturais, ao lado da decisão de jamais renunciar à aspiração de verdade, justiça, indenização e não à impunidade que nos afeta no imediato. E, imprescindivelmente, exigir a anulação do Decreto de Auto-Anistia para Pinochet, e seus efeitos, como impõe a resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Tal exigência é adicionada pelo fato de completar-se 30 anos de desaparecimento e assassinato de muitos companheiros e muitas companheiras; entre eles, dois pertencentes à direção do partido e um às Juventudes Comunistas. Participamos da campanha pela anulação da lei de anistia que leva adiante a Associação de Familiares de Presos e Desaparecidos, e todas as outras associações que nos representam tão dignamente nesta batalha contra a impunidade. Esperamos, ainda, que a presidenta da República cumpra seu compromisso em relação a esses temas.
Pretendemos participar e construir um sujeito para conquistar um governo de novo tipo que, entre outras coisas fundamentais, assuma convocar a Assembléia Constituinte para estabelecer uma nova Constituição política do Estado. Não descartamos a possibilidade de na luta pela conquista da democracia real o movimento social e político adquirir tal força e peso – mesmo sem ser governo – para impor essa mudança fundamental.
Se se quiser compreender profundamente nosso planejamento em relação às alianças que
pleiteamos é necessário unir a proposta política de êxito de determinados objetivos à necessária e fundamental força da unidade e da luta do povo rumo à conquista de um governo democrático de fato.
Estamos convencidos de que os grandes êxitos alcançados com a criação do Juntos Podemos Mais – especialmente no plano eleitoral – podem ser uma importante base a contribuir para a geração de uma consonância, entre os trabalhadores, de diversas forças sociais e de setores políticos – inclusive os de centro – que, de diferentes formas e em diferentes momentos, unam-se na oposição ao neoliberalismo e estabeleçam um programa de profundas transformações democráticas e de justiça social para o Chile.
Nesse marco, e sob essa concepção, demos o passo tático de chamamento à votação por Bachelet no segundo turno, cuja finalidade não foi senão evidenciar na consciência popular os chamados 5 pontos como objetivos imediatos da luta, rumo a conquistas superiores.
Temos claro – como se depreende dos debates do congresso – que o partido em sua imensa maioria compreende positivamente tal passo, dado de forma transparente, sem concessões, nem compromissos que afetassem a luta pelos nossos objetivos.
Em relação ao governo, nossa independência tem sido, e é, total. E nossa postura é de oposição ao continuísmo neoliberal que apregoa.
Não podemos deixar de considerar o fato de – no seio da “concertación” – existirem contradições, pois na sua base muitos acreditaram que esse conglomerado havia sido formado para mudar o rumo estabelecido pela ditadura; no entanto, a aceitam assim. Mas, na realidade – esta é a contradição – a tendência que se impõe continua sendo a que consolida os aspectos institucionais e econômicos estabelecidos pela ditadura. Encontramos-nos diante de um campo em disputa, no qual não podemos deixar de incidir politicamente.
A corrupção revelada, por ocasião da atribuição de fundos de algumas repartições públicas para campanha eleitoral, aprofunda essas contradições. O novo momento político sobre o qual falamos está em curso e muito do que acontecer dependerá de nosso próprio acionar como partido.
Condenamos tal situação e exigimos total assunção das responsabilidades em relação a isso. Do mesmo modo, não admitimos a institucionalidade antidemocrática deixada pela ditadura – o modelo que facilita a presença dos chamados operadores políticos nas repartições públicas, os lobistas, os aproveitadores e oportunistas, cuja matriz é a própria corrupção encabeçada por Pinochet e a apropriação dos bens do Estado por alguns procuradores, destacados dirigentes da ultra-direita. Não menos comprometedoras são: a incorporação de diretores de grandes consórcios de ex-ministros da ditadura e a ligação com ex-militares.
Nosso único compromisso – adquirido na base do passo tático – é lutar pelos 5 pontos, coincidentes em sua maioria com os estabelecidos pela CUT, os que abriram ampla convergência social e política e, de nenhum modo, são excludentes de uma plataforma mais ampla.
A CUT delineou quatro temas, a serem resolvidos em regime de urgência: reforma do sistema previdenciário; reforma da educação, reforma do Código Trabalhista; e reforma do sistema eleitoral. No último Conselho Nacional de suas federações e sindicatos ela reiterou seu chamado a uma greve nacional, à qual certamente apoiaremos se o governo, e a direita, insistirem em desrespeitar essas legítimas aspirações.
Pela urgência – que também tem – convocamos, ao lado da luta por esses 4 pontos da CUT, à reposição da unidade e à luta por royalties de pelo menos 10% para as transnacionais mineradoras, especialmente as de cobre – recurso estratégico em relação ao qual devemos restabelecer o preceito constitucional estabelecido por Salvador Allende, até hoje vigente, de que os minerais do território pertencem ao Estado chileno. As atuais “concessões plenas” são inconstitucionais e devem ser extintas. Tal proposta não se contradiz com a possibilidade de inversão estrangeira sempre que gere trabalho, valor agregado e respeite as normas estabelecidas pela maioria dos chilenos, não por somente um punhado deles que se beneficia com as imposições do capital forâneo. (…)
Aprovamos todas as novas exigências sociais e democratizadoras levantadas no seio do povo e a convergência social e política. Pela primeira vez, desde o início da chamada transição, podemos dizer que um grande movimento social de caráter nacional – como o dos estudantes secundaristas – conseguiu instaurar uma grande demanda e questionou um dos pilares herdados da ditadura.
Esse movimento – que recebeu ativa solidariedade de muitos setores sociais e políticos; adquiriu múltiplas expressões; e foi absolutamente transversal – nos permite falar, hoje, de um Chile anterior e um Chile posterior à grande greve nacional dos estudantes secundaristas.
Outros movimentos sociais, como o dos trabalhadores da saúde, dos professores, da administração pública, dos inadimplentes da casa própria, do povo mapuche, dos subcontratados, das municipalidades de todo o Chile, das empresas de salmão, dos supermercados e de várias outras atividades mostram que essas expectativas e demandas reproduzem um novo estado subjetivo nas amplas massas afetadas pelo neoliberalismo, exigindo um novo tratamento, digno e justo.
Os movimentos sociais em legítimo protesto têm sido incriminados. Tratou-se de dividi-los e diminuí-los. Eles foram reprimidos e castigados. No entanto, apesar disso, mantém-se a tendência de sustentar a luta ou as demandas.
Apoiamos sem reservas a luta dirigida pela CUT, exigindo mudança da perversa política trabalhista instalada pela legislação ditatorial.
Pelas estatísticas oficiais, a taxa de sindicalização foi reduzida a quase um terço, em relação a setembro de 1973, chegando atualmente a apenas 13,9% da força de trabalho assalariada – porcentagem inferior inclusive à dos três últimos anos da ditadura e muito abaixo dos 20,1% de 1991. A “concertación” parece mais eficiente do que a ditadura no que se refere a deter o avanço do sindicalismo.
Os trabalhadores que negociaram pelo Código Trabalhista em 2005 correspondem a apenas 8,4% da força assalariada (4.142.795). Nesse ano obtiveram somente 0,68% como média de reajuste inicial a suas remunerações que, comparando-a ao crescimento de 6,3% do PIB, deixa claro que esse mecanismo não tem nenhuma função redistribuidora de admissão.
Concordamos com a supressão do plano trabalhista da ditadura e com sua substituição por um novo Código Trabalhista que garanta eficazmente o direito ao trabalho e à estabilidade no emprego. Concordamos com a plena vigência dos direitos de sindicalização, de negociação coletiva e de greve tanto para o setor público quanto para o privado, conforme os Convênios 87, 98 e 151 da OIT, de modo que os trabalhadores chilenos sejam livres para decidir sobre o tipo de organização sindical que queiram constituir, para negociar a forma que a disposição coletiva definir sem a possibilidade de ninguém vir a ser penalizado por isso.
Fator determinante para o êxito dos objetivos democratizadores do país será a atitude das Forças Armadas no futuro. Concordamos com a aplicação de uma doutrina militar que afaste para sempre a possibilidade de um golpe de Estado, desenhada para criar laços de colaboração e de integração com os países vizinhos e da América do Sul em relação a temas econômicos, energéticos, ambientais, culturais etc que propiciem um clima de tranqüilidade, com uma posição de independência e não-alienação diante de políticas hegemônicas de grandes potências. Concordamos com a eliminação da entrega de 10% das vendas da Codelco aos desígnios militares. O Chile é o país do continente que mais gasta com suas Forças Armadas. Mais do que Brasil, México e Argentina, possuidores de população, território e produção muito maiores. Os desígnios militares, entre outros aspectos, devem contemplar magistraturas e facilidades a qualquer jovem que o desejar poderem ingressar nas escolas básicas das instituições armadas sem discriminações ou proibições por razões políticas ou sociais.
Enquanto altos oficiais das Forças Armadas e setores da direita justificarem o golpe haverá uma ameaça antidemocrática perante nossa sociedade. É altamente promissor o nosso congresso realizar-se neste momento em que a política de Bush cai no mais profundo descrédito, dentro e fora dos Estados Unidos. A derrota eleitoral de Bush e de congressistas republicanos, representantes do círculo ultra-conservador, é uma exigência categórica pela retirada das forças militares do Afeganistão e do Iraque, bem como do apoio às forças reacionárias de Israel que dia a dia atacam e matam dezenas de vítimas, especialmente mulheres e crianças na Palestina e em outros territórios árabes.
Os círculos governantes dos Estados Unidos fracassam em sua tentativa de se instituírem donos absolutos do mundo, embora saibamos que não renunciaram em continuar a impor o neoliberalismo a qualquer custo e a resolver seus problemas internos por meio de guerra ou intervenção armada.
Na nossa América Latina a unidade de governos oriundos de profundos processos de crise e de luta colocou por terra a pretensão da elite financeira norte-americana de imposição da Alca como única fórmula de integração do nosso continente. Nessa elite domina a máxima ganância para as transnacionais enquanto aumentam os índices de pobreza, desemprego, baixos salários, déficit em educação, saúde, moradia; acentua-se a delinqüência e as drogas; contamina-se o meio ambiente; não são reconhecidos, nem respeitados, os direitos das pessoas, como ocorre com povos nativos, mulheres, crianças, idosos e homossexuais.
Diante dessa expectativa de neocolonialismo, que até hoje assola nosso continente, surge – do fundo do pensamento libertário de nossos pais da pátria, entre os quais ressaltam Bolívar, Martí, Sucre, San Martín, O’Higgins e muitos heróis e ilustres pensadores da nossa independência – uma nova forma de integração dos povos, que coloca acima do interessa puramente mercantil a solução conjunta dos problemas mais agudos dos pobres, explorados e excluídos, que são milhares.
Revela-se o Alba, iniciado com um acordo de colaboração entre Venezuela e Cuba – com adesão da Bolívia – e relacionado de modo não excludente com o Mercosul nos acordos econômicos, culturais, energéticos. O Alba permitiu a mais de 400 mil pobres da América se submeterem à cirurgia de cataratas gratuitamente em Cuba, Venezuela e, agora, na Bolívia, a serem treinados em Cuba e Venezuela milhares de médicos para atenderem aos setores de menos posses de seus respectivos países. (…)
Desde a derrocada do socialismo no Leste europeu tentam estabelecer não existir possibilidade de uma alternativa ao neoliberalismo. Foi proclamado o fim da história e das ideologias.
Todavia, o marxismo original revive na atribulação de cada batalha por justiça social. Os próprios povos em sua luta contra a exploração do grande capital novamente abrem perspectiva e proclamam o socialismo do século XXI. Atualmente dispomos de novas experiências, enriqueceram-se nossas concepções à luz de diferentes processos revolucionários e de diversas construções a que contribuíram, e contribuem, milhões de seres humanos, especialmente na América Latina e no Caribe, na África e na Ásia.
Ao falarmos de socialismo, devemos nos dispor a encarar a discussão crítica para esclarecer em toda sua magnitude as deformações teóricas e práticas que estão por trás da vulnerabilidade e do enfraquecimento diante da intervenção forânea que, afinal, levaram ao fracasso sua construção no Leste europeu. Hoje surgem novas idéias, novas experiências, numa etapa democratizadora da sociedade para libertá-la do marco autoritário, de submissão e exclusão a ela imposto pelo imperialismo – processo que se ergue vitorioso em vários países do nosso continente.
A construção da concepção teórica e prática do socialismo do século XXI é um processo em que a humanidade progressista prossegue na luta contra a exploração do homem pelo homem, que abrirá caminho à medida que for demonstrado como possibilidade mais concreta e humanitária para a solução dos grandes desafios históricos – concentrando nisso todas as capacidades adquiridas pelo ser humano –, colocando precisamente ao centro o ser humano, ao homem e à mulher, em maiúsculo, sem discriminações ou exclusões, para expandir a um nível superior suas capacidades e iniciativas na busca constante de êxito em suas mais caras aspirações de caráter social, cultural e moral. Este, o grande desafio (a grande tarefa pendente) a ser enfrentado por nós, comunistas do mundo, neste século XXI.
Guillermo Teillier é presidente do Partido Comunista do Chile. Traduzido por Maria Lucilia Ruy, mestre em Letras Clássicas.
EDIÇÃO 88, FEV/MAR, 2007, PÁGINAS 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46