Me ensinaste a sentir fome bruta
Com todos meus irmãos famintos!
Me mostraste como a dor inquieta
De um milhão de homens insatisfeitos
Afoga a busca do ir buscar meu pão!
Me fizeste ver a multidão dividida
Me tornaste um caminho de aço
Para um povo pobre e dispersado!
Acorrentaste meu instinto de lobo
Me acrescentaste o dever da luta!
Me transformaste num hospital humano
Acolhendo sempre os irmãos domados!
Me fizeste amigo de muros e panfletos
Me acalentaste com tuas bandeiras rubras!
Ruborizaste meus desejos pálidos
Me entregaste um quinhão de tuas lutas!
Me transformaste num combate vivo
Redimiste meus pecados brancos!

Não agarrei-me às mesquinharias
E nem dopei os meus sentimentos!
Fiz de conta que não tinha irmãos
Meus irmãos eram os deserdados!
Fiz dos meus braços uma rede curva
Para embalar teu justo programa!
Quando acordava na madrugada
A minha dama era a própria terra!
Fui descobrindo no meu caminho
De vez em quando duas pegadas
Quando perguntei se me abandonaste
Tu disseste que não eram minhas
Eram as pegadas dos combatentes
Que sulcavam o mesmo solo!
 
No teu árduo tempo de guerra
Me confortaste com teus manuais
Mas me disseste: não são cartilhas
Toda experiência sofre mutação!
Descobri assim o quanto era sagrado
O teu desejo de mudar o mundo!
Por tuas mãos passaram guerreiros
Uns resistiram e outros se renderam
Toda deserção traz uma desculpa
Quando se quer abandonar a trincheira
Trincheira eterna é a tua causa
De construir o mundo das rosas!
 
E eu guardei com dignidade
Teus postulados e tuas bandeiras!
Gente aflita, mártires, expropriados
Empunharam a tua plúmbea luz!
Me ensinaste os meandros da guerra
Me deste enfim a ternura social!