Não sei se os senhores sabem: me mudei. Deixei a Capital Federal para amarrar a minha jéga em Aracaju, também capital, só que de Sergipe del Rey – que há muito deixou de ser do rei e, há pouco, das elites predatórias que lhe comiam o couro.

      Pois me mudei. E quero dizer logo que isso aqui está um estresse. Toda manhã, abro o portão de minha garagem e o que vejo? O encontro do Rio Sergipe com o mar. Olha só a tortura. Antes disso, tenho que fazer as vênias a um coqueiro em meu quintal, que insiste para que, antes de pegar no batente, eu beba a água de seus frutos. Uma consumição, senhores, uma consumição.

      Aí eu sou obrigado a comer um cuscuz acompanhado de uma xícara de café com leite, a experimentar um bocado de banana da terra frita na manteiga de garrafa e a arrematar tudo com um suco de mangaba. Vejam o sacrifício a que um cristão é submetido diuturnamente.

      Não bastasse esse tormento todo, sou coagido – leiam bem: coagido! – a gastar cinco minutos até meu trabalho pela beira do rio, recebendo a bombordo a paisagem e a brisa refrescante.

      O trabalho, graças a Deus, é muito. As crianças ficam no colégio às sete. Por volta das oito, estamos de prontidão. Quando a gente fala “agora sim, senhor, que o tormento acaba”, temos que almoçar em casa. E o que encontro logo na chegada: o coqueiro, de novo, me oferecendo água!

      Aí é demais! Eu digo pras crianças “eu não güento mais esse coqueiro, esse mar, esse céu absurdamente azul”. Elas riem do meio do quintal imenso e eu me resigno: almoço carne do sol, macaxeira e suco de jenipapo, e volto para o recesso do trabalho.

      Hora pra sair não há, louvada seja a Virgem e o senhor Prefeito. Metemo-nos em projetos que nos consomem até a medula. Damos fé, já passa das nove da noite. O que nos resta? Repare: ir para a Orla, comer caranguejo, ou pedir uma moqueca de arraia e receber mais uma vez a brisa – desta feita, oferenda da Praia de Atalaia, que é cheia dessas ousadias.

      Senhores, sei que não devia relatar sofrimentos tantos num espaço de espairecimento do espírito e divertimento da mente. Mas senti que precisava prestar contas dessa nossa missão árdua e dizer que, apesar de tudo, permanecerei firme no leme. Visitarei praias, mergulharei nas águas do Rio São Francisco, percorrerei as dunas de Mangue Seco, registrarei todos os monumentos históricos de São Cristóvão. Beberei toda água de coco que me ofertar o destino e banhar-me-ei nas ondas do mar que acaricia essa terra do Cajueiro das Araras.

      Sei que é um sacrifício enorme prum só cristão. Mas alguém tem que fazê-lo, não é mesmo?

      Um saudoso abraço.

      Eu.