Um céu pálido, sobre o mundo que se esvai em decrepitude, vai talvez partir junto com as nuvens: os farrapos da púrpura repisada dos poentes se esmaecem num rio a dormir no horizonte submerso de raios e água. As árvores se entediam e, sob sua folhagem embranquecida (pela poeira do tempo mais do que aquela dos caminhos), ergue-se a casa de pano do Exibidor de coisas Passadas: muitos candeeiros esperam o crepúsculo e reavivam os rostos de uma turba infeliz, vencida pela moléstia imortal e o pecado de séculos, de homens junto de suas pobres cúmplices grávidas de miseráveis frutos com os quais há de perecer a terra. No silêncio inquieto de todos os olhos suplicando ao longe pelo sol que, sob a água, soçobra com o desespero de um grito, eis o mero aranzel: “Nenhum anúncio vos regala com o espetáculo interior, pois não existe agora pintor capaz de propiciar uma sombra triste. Eu trago, viva (e preservada através dos anos pela soberania ciência), uma Mulher de outrora. Uma certa loucura, ingênua e original, um êxtase de ouro, não sei mais o quê! por ela eleita, sai cabeleira se curva, com o encanto dos tecidos, em torno de uma face que ilumina a nudez sanguínea de seus lábios. Em lugar da veste vã, ela tem um corpo, e os olhos, semelhantes às pedras raras! Não valem esse mirar que se projeta de sua carne afortunada:seios suspensos como se estivessem cheios de um leite eterno, apontando para o céu, para as pernas polidas que retêm o sal do primeiro mar”. Lembrando –se de suas pobres mulheres, calvas, mórbidas e prenhes de horror, os maridos se comprimem: elas também, por curiosidade, melancólicas, querem ver.

      Quando todos tiverem contemplado a nobre criatura, vestígio de alguma época já maldita, uns indiferentes, pois não terão possuído força de compreender, mas outros, aflitos, e a pálpebra úmida de lágrimas resignadas se contemplarão, enquanto que os poetas desses tempos, sentindo reacenderem-se olhos amortecidos, seguirão para sua lâmpada, érbio o cérebro, por um instante, de uma glória obscura, tomados pelo Ritmo e no olvido de existir numa época que sobreviveu à beleza.

 

Poemas – Poesia de Todos os Tempos – Stéphane Mallarmé
Organização e Tradução José Lino Grunewald
Editora Nova Fronteira – edição 1990