I

Suor e Látego

Látego,
suor e látego

O sol despertou mais cedo
e achou o negro descalço.
Corpo nu ensangüentado
sôbre o campo.

Látego,
suor e látego.

O vento passou gritando:
– Que flor negra em cada mão!
O sangue lhe disse: vamos!
Êle disse ao sangue: vamos!
Partiu sangrando, descalço,
Tremendo, o canavial
abriu a passagem.

Depois céu silencioso,
debaixo do céu o escravo
tinto no sangue do amo.

Látego,
suor e látego,
tinto no sangue do amo;
látego,
suor e látego
tinto no sangue do amo,
tinto no sangue do amo.

II

Cana

O negro
junto do canavial.

O ianque
sôbre o canavial.

A terra
sob o canavial.

Sangue
que se vai.

III

Um Longo Lagarto Verde

Por êsse Mar das Antilhas
que também chamam Caribe,
batidas, por duas ondas
e ornada de espumas brandas,
na luz do sol que a persegue
e pelo vento varrida,
cantando em lágrimas viva:
Cuba navega em seu mapa:
um longo lagarto verde
com olhos de pedra e água.

Alta coroa de açúcar
de agudas canas tecida,
coroa não por ser livre,
escrava desta coroa,
rainha só para fora
mas para dentro vassala,
e tão triste entre as mais tristes
Cuba navega em seu mapa:
um longo lagarto verde
com os olhos de pedra e água.

Junto da beira do mar,
tu que estás sempre a guardar,
pensa bem, guardião marinho,
na ponta daquelas lanças,
no largo rumor das ondas,
no grito das labaredas
e no lagarto desperto
mostrando as unhas no mapa:
um longo lagarto  verde
com olhos de pedra e água.

 

Edmundo Moniz – Poema da Liberdade
Uma Antologia Poética de Dante a Brecht
Editora Civilização Brasileira