Os bárbaros estão em casa
Para muitos, que temiam a chegada dos bárbaros, foi terrível constatar que não só eles já haviam chegado. Pior: foram gerados dentro de suas casas. Os passageiros do absurdo foram criados por eles. Pois é… pra que… um rapaz tão moço… como já o disse a canção da MPB. Criados no seio da sagrada família, os bárbaros sempre estiveram em casa, e foram criados em meio a mimos e transbordamentos de proteção e cuidados. Desde muito cedo foram nutridos de excesso de liberdade e ausência de limites – com o que se transformaram em perversos polimorfos, descritos pelo gênio de mestre Freud.
Onde faltaram ou sobraram limites, para que se transformassem em um dínamo gerador de insatisfação, ansiedade, ambições sem freios e conflitos paranóicos? O que fizeram seus pais e demais familiares, para que transformassem em medo a sua coragem, e de sua coragem fizesse uma fonte de medos? Assim foram criados, desde a mais tenra infância, os bárbaros que ameaçam a paz de quantos busquem viver em segurança e tranqüilidade. Sendo atendidas todos os seus desejos e exigências, mesmo se fossem escorchantes, abusivas ou absurdas.
Não raramente, quando em meio ao atropelo e aos destemperos de comportamento e conduta, quiseram botar-lhes um freio, já era tarde demais para saberem que a liberdade saudável não é a que autoriza a fazer o que se quer, e sim aquela que nos motiva a fazer o se deve. De repente, não mais que de repente, muitos viram que já era tarde demais para fazer com que seus filhos mimados acordassem para a necessidade de viver com base no princípio da Realidade. Pois já não decifravam outra linguagem que não a satisfação egoísta de seus desejos e fantasias.
Então ficou claro não ter mais sentido o medo de que os bárbaros cheguem. Eles não são Allien, passageiros de naves interplanetárias, vindas de galáxias distantes. Nasceram e foram criados aqui mesmo. Insaciáveis em seus desejos de satisfação dos sentidos e impenitentes autistas emocionais, não sabem reconhecer nem agradecer às pessoas e situações de vida que as gratificam, em seus anseios. Estudam em bons colégios e universidades, mas não tomam posse do que aprendem; jogam no lixo o que aprendem, pois logo esquecem. Não se sentem como parte da natureza, e com ela não têm zelo nem cuidado, embora estudem sobre a fragilidade e conexão profunda dos ecossistemas. Sentem-se fora, não dentro de seu fluxo, pois isto se tornam consumidores parasitários de seus recursos limitados.
Não cultivaram sensibilidade para fazer florescer em suas almas a dimensão da gratidão e do cuidado. Não sendo criaturas cuidantes, descuidam-se de sua própria integridade e segurança, vivendo a felicidade dos ignorantes. Com isto tornam-se insípidos de espírito e áridos de alma, cultivando a infelicidade ativa, resultante de não terem aprendido a leveza de viver. A pergunta a fazer é: onde faltaram ou sobraram liberdade e limites? Talvez tenham sido protegidos de mais, ou de menos,,, Onde a família e a sociedade falharam, para dar espaço à energia destrutiva, que agora a consome e ameaça por dentro? Agora é tarde para temer que os bárbaros cheguem… os bárbaros estão em casa.
Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.