Após a decisão do Supremo Tribunal Federal – por unanimidade – sobre a inconstitucionalidade da “cláusula de barreira”, os grandes partidos tomaram a iniciativa de aprovar na Câmara dos Deputados uma lei sobre nova regra para a distribuição do Fundo Partidário. Já, no Senado, o senador Marco Maciel apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional restabelecendo a cláusula de barreira. Com estes e outros acontecimentos a questão da reforma política voltou com força para a agenda política.

Visando abrir uma campanha em favor da adoção do voto distrital, como um elemento-chave na reforma política conservadora e antidemocrática, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso participou de um seminário promovido pela Associação Comercial de São Paulo intitulado Voto distrital: a Reforma Política que interessa ao Brasil, abordando o tema “Voto Distrital: um Plano Real na Política”.

Segundo o ex-presidente, o voto distrital é o “mecanismo que mais diretamente põe em xeque o sistema atual. Quebra a espinha dorsal das acomodações partidárias e leva à maior proximidade entre o eleitor e o eleito”. Revelando suas verdadeiras preocupações com os rumos políticos da América Latina ele afirmou: “sem nos apercebermos, incorremos no risco de desmoronamento das instituições republicanas. Quem conhece a América Latina sabe que isso pode ocorrer”, e, ainda: “basta um momento não tão favorável da economia, aparece um outsider e ganha (a eleição)”. Aí fica evidente que o núcleo das razões que levam à proposta de adoção do sistema distrital é impedir a eleição de lideranças democráticas e populares que coloquem em xeque as políticas neoliberais por ele defendidas ou criar as condições para o retorno das forças conservadoras ao governo. Em seu pronunciamento criticou acerbamente a Reforma Política que tramita na Câmara dos Deputados taxando-a de “cavalo de tróia”, pois não contempla as propostas dos setores conservadores do País.

Na defesa do sistema distrital, participando do mesmo evento, manifestou-se o presidente do PFL Jorge Bornhausen (lembrando que o PFL acaba de se transformar em DEM-Democratas). Também é favorável ao tema o governador de São Paulo, José Serra.

Cabe ressaltar que a proposta que tramita na Câmara dos Deputados – tão duramente criticada pelo ex-presidente – é democrática, tendo sido amplamente discutida na Comissão de Reforma Política e na Comissão de Constituição e Justiça e se propõe a aperfeiçoar o sistema proporcional com a adoção do voto em lista, além de propor o financiamento público das campanhas eleitorais, a fidelidade partidária e a redução da clausula de barreira de 5 para 2%.

Fica evidente que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o PSDB expressam o ponto de vista da direita e dos setores empresariais mais conservadores, na tentativa de impor ao País uma reforma política antidemocrática e elitista, visando tornar o poder político mais facilmente controlável pelas forças conservadoras do País. Sistema eleitoral distrital

O sistema eleitoral distrital tem sua raiz na representação territorial existente no período medieval. Desde o século XIII os delegados dos Condados eram convocados pelo Rei da Inglaterra para dar seu consentimento aos novos impostos a serem cobrados. A representação majoritária (distrital) está fortemente vinculada à noção de representação territorial. Os parlamentares eleitos por este sistema representam mais suas regiões do que os interesses de segmentos sociais presentes na sociedade.
São, portanto, representantes do poder político local, das oligarquias dominantes em cada distrito. É o sistema político do “curral eleitoral”.

No sistema eleitoral distrital o país é dividido em distritos eleitorais, podendo estes eleger um ou mais parlamentares. Serão eleitos os candidatos que obtiverem o maior números de votos.

No Brasil o sistema eleitoral distrital foi adotado, com suas peculiaridades, por 70 anos durante o Império e a República Velha. As particularidades residiam no fato de só votarem aqueles homens com determinada renda e maiores de 24 anos. A revolução de 1930, representando um avanço democrático, assegurou o voto universal aos maiores de 18 anos, independente da renda e gênero. Acabou com o sistema distrital e implantou o sistema proporcional. O Estado Novo, através da Constituição outorgada de 1937, aboliu as eleições no País. A Constituição de 1946 incorporou em seu texto o sistema eleitoral proporcional para as eleições de deputados federais, estaduais e vereadores.

Durante a ditadura militar, por iniciativa do general Figueiredo, foi estabelecido o sistema distrital misto no País. No entanto, não foi colocado em prática. Com o fim da ditadura o Congresso revogou, em maio de 1985, este entulho autoritário.

O Sistema Eleitoral Distrital é adotado em um número restrito de países, entre os quais Estados
Unidos, Inglaterra e França. Entre 1945 e 1980 praticamente não houve alterações nos sistemas eleitorais para a eleição dos parlamentares eleitos para as Câmaras Baixas. Na década de 1990 alguns poucos países fizeram alterações em seu sistema eleitoral. A Itália, que trocou o sistema proporcional pelo sistema misto. A Nova Zelândia, que trocou o sistema distrital puro pelo distrital misto; o mesmo fazendo o Japão.

Os defensores do sistema eleitoral distrital arrolam uma série de argumentos em favor de sua implantação no País: a redução do número de partidos políticos, facilitando com isto a governabilidade; fortalecimento dos partidos políticos porque retira a disputa entre candidatos do mesmo partido; redução do número de candidatos; maior aproximação do parlamentar de suas bases; eleições mais baratas. Tais argumentos são inconsistentes e visam a elitizar mais ainda o poder político do País.

É falsa a idéia de os pequenos partidos serem os responsáveis pelas dificuldades de governabilidade e de que por isto torna-se necessário afastá-los da cena política brasileira. Na verdade, eles representam um número limitado de parlamentares que não têm condições de cumprir este papel. A Câmara de Deputados do Brasil conta com a representação de 21 partidos. No entanto, somente os quatro maiores – PMDB, PT, PSDB e PFL – têm 59% da representação parlamentar. Portanto, são os grandes partidos que dão o rumo das atividades do Congresso. Na realidade, a maior ou menor governabilidade está relacionada com a capacidade de construir governos de coalizão que dêem forte sustentação às políticas governamentais.

Segundo o outro argumento levantado em relação aos pequenos partidos, estes se transformam em partidos de aluguel. No entanto, este argumento iguala todos os partidos menores e termina se voltando contra aqueles que têm história e serviços prestados ao país, como PCdoB, PSB e outros.

Portanto, o caminho não é a adoção de medidas que conduzam à extinção destes partidos, mas sim a criação de mecanismos legais que evitem a barganha entre os grandes partidos e os partidos menores. São vários os mecanismos que se tentam criar visando a uma redução drástica do número de partidos. Tais medidas se relacionam não só com a adoção do sistema eleitoral distrital, como também com a adoção da chamada “cláusula de barreira”. Todavia, a redução do número de partidos através de medidas casuísticas e não pela livre escolha dos eleitores fere o princípio constitucional de pluralismo político e partidário. E esta é uma das questões angulares do sistema democrático.

O argumento segundo o qual o atual sistema eleitoral proporcional em vigor no Brasil proporciona a disputa entre os candidatos do mesmo partido é uma realidade. Entretanto, tal fato não decorre do sistema eleitoral existente, mas sim da existência da lista aberta de candidatos para a eleição. No sistema brasileiro vota-se em candidatos e não numa lista partidária. Para resolver este problema não é necessário alterar o sistema eleitoral proporcional, mas simplesmente adotar o voto em lista fechada onde os eleitores votarão na lista elaborada pelos partidos políticos e não nos candidatos. Tal alteração viria resolver, também, outro argumento levantado pelos defensores do sistema distrital relacionado com o grande número de candidatos ao parlamento. A adoção do voto em lista levaria os eleitores a votarem na lista partidária fazendo com que estivessem menos preocupados em saber o nome do candidato e mais preocupados em conhecer o programa do partido ao qual dariam seu voto. E isto fortaleceria o sistema partidário – o que é bom para a democracia.

Defender o sistema eleitoral distrital porque ele aproximaria o parlamentar de sua base não corresponde aos fatos. Todo parlamentar, por mais votos dispersos que possua, tem sempre uma base fundamental de sustentação de sua candidatura com o qual ele mantém estreitos vínculos. Evidentemente, o parlamentar representante de grupos econômicos não estará preocupado em se vincular às bases populares da região, até porque sua eleição depende do poder do dinheiro e não do vínculo com os eleitores.

Quanto à questão dos custos de campanha, o voto distrital agrava a influência do poder econômico porque restringe a área de disputa e possibilita a um candidato com maior volume de recursos, e contando com apoio das oligarquias locais, poder ali concentrar seus investimentos de campanha.

Falando sobre o assunto, o ex-presidente Tancredo Neves afirmou: “Com a área eleitoral delimitada, o governo e o poder econômico dispõem de mil e um instrumentos para tornar inelegível e impedir a eleição de um representante do povo que venha a tornar-se incômodo não só para os interesses do Governo, como para os interesses do poder econômico nacional”. Esta é a questão crucial, ao se falar em reforma política. As classes dominantes tudo fazem para reduzir ao máximo as possibilidades de se elegerem representes que expressem os interesses dos trabalhadores e da maioria do povo brasileiro. Cabe aos democratas a proposição de medidas que facilitem o exercício da soberania popular, que assegurem a eleição de um maior número de representantes legítimos da maioria do nosso povo.

Os argumentos dos defensores do sistema eleitoral distrital têm claramente uma marca de restrição à democracia. É um sistema defendido pelos partidos conservadores que querem manter o controle do sistema político com maior facilidade e por partidos que incorporaram concepções neoliberais que, no plano político, se relacionam com a limitação da democracia.
A adoção do sistema eleitoral distrital traz graves conseqüências para o processo democrático brasileiro:

1) Distorce a vontade popular. O resultado das eleições desrespeita a vontade de parcelas significativas da população, pois os eleitores do candidato que perde a eleição ficam sem nenhuma representação. Num país, por exemplo, que tenha 10 distritos. Nas eleições um partido obtém 51% dos votos nos dez distritos, enquanto um outro 49%: a conseqüência será que o partido vencedor ganhará as dez cadeiras no parlamento e o perdedor, apesar de ter tido 49% dos votos, não terá nenhuma cadeira. Ou seja, quase a metade da população ficará sem representação parlamentar. Um exemplo concreto desta distorção é citado pelo professor Wanderley Guilherme dos Santos em seu livro Regresso onde afirma que nas eleições de 1992, na Inglaterra, os Conservadores conquistaram 57% das cadeiras, tendo obtido 42% dos votos, e os liberal-democratas, que receberam 22,6% dos votos nacionais, obtiveram apenas 3,3% das vagas no Parlamento. Outro exemplo citado por Luiz Weiss no Observatório da Imprensa diz respeito à eleição canadense de 1993. Naquela oportunidade o partido mais votado obteve 16% dos votos e elegeu dois deputados. O partido menos votado obteve 7% e elegeu 9 deputados. Um partido situado entre os dois elegeu 54 deputados. As graves distorções do sistema ficam evidentes. E a vontade de grandes parcelas da população é anulada.

2) Aniquila as minorias. Promove a ditadura da maioria. Com a adoção do voto distrital a tendência é caminhar para uma redução drástica do número de partidos. Tal sistema reforça enormemente o bipartidarismo. E isto significa uma grave distorção da democracia, já que a existência das minorias é uma questão central do processo democrático. E mais, é um princípio constitucional. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, em seu voto que derrubou a cláusula de barreira, afirmou: “está-se a ver que o disposto no artigo 13 da Lei n. 9.906/95 veio a mitigar o que garantido aos partidos políticos pela Constituição Federal, asfixiando-os sobremaneira, a ponto de alijá-los do campo político, com isto ferindo de morte, sob o ângulo político-ideológico, certos segmentos, certa parcela de brasileiros. E isto ocorreu a partir da ótica da sempre ilustrada maioria”. Sobre o respeito ao direito de existência das minorias, afirmou ainda o referido ministro: “É de repetir até a exaustão se preciso for: Democracia não é ditadura da maioria”.

3) Golpeia o voto de opinião. Uma das importantes vantagens do sistema proporcional é assegurar o voto de opinião. Num país tão vasto e complexo como o Brasil onde existem grandes diferenças sociais, ideológicas, políticas, regionais e religiosas. O sistema político tem de ser capaz de abarcar todas estas tendências de opinião. Existem vastos setores na sociedade que votam não por razões regionais, mas em defesa da soberania nacional, da democracia, da reforma agrária, dos direitos dos trabalhadores, dos direitos das mulheres, dos negros, das minorias, dos que defendem o meio ambiente. Querer colocar uma camisa-de-força para que estas tendências não possam ter uma representação política é asfixiar a democracia no País. É alijar do processo político parcelas significativas da sociedade.

4) Dificulta a representação das forças populares e dos democratas que não disponham de grandes recursos. Os candidatos que não dispõem de vultosos recursos e com voto disperso no conjunto da sociedade ficarão prejudicados. Com isto haverá uma elitização maior ainda do Parlamento.

5) Ao regionalizar o processo eleitoral o sistema distrital afasta o debate político dos grandes temas nacionais. Transforma o deputado federal em despachante de luxo, em um vereador federal voltado, quase que exclusivamente, para os problemas paroquiais e regionais.

6) Agrava a influência do poder econômico nas eleições. Ao delimitar a eleição a um distrito o sistema permite ao candidato endinheirado gastar um volume maior de recursos num território bem menor. Por isto as elites dominantes são favoráveis a este sistema.

7) Possibilita a manipulação na delimitação dos distritos. A divisão dos Estados em distritos será um instrumento a mais nas mãos das elites para favorecer seus candidatos. Exemplos disto existem em quantidade. Em 1958, De Gaulle instituiu o sistema eleitoral distrital na França para beneficiar a direita. Foram formados distritos constituídos por bairros de cidades de tendência oposicionista com uma região rural mais próxima, controlada pelo governo. A manipulação foi tão grande que se criou um distrito para garantir a eleição de Marcel Dassault, o fabricante dos aviões Mirage. Outra manipulação ocorreu no ano passado, nos Estados Unidos, para beneficiar o republicano Richard Pombo, aliado de Bush. O 11o Distrito da Califórnia foi redesenhado para facilitar sua vitória começando pelos subúrbios de San Francisco, evitando os locais onde os democratas poderiam ter maior votação, e seguindo até o vale central da Califórnia, uma região agrícola. A manipulação dos distritos eleitorais é tão conhecida nos Estados Unidos que se criou o termo “gerrymander”. Ele provém do governador Elbrig Gerry que, em 1812, redesenhou um distrito para assegurar sua própria eleição para o estado de Massachussets.

O sistema distrital misto é uma forma atenuada do sistema distrital puro. É o sistema adotado na Alemanha, após a segunda guerra mundial para impedir o crescimento da esquerda naquele País. Pelo sistema distrital misto, metade dos parlamentares é eleita pelo sistema distrital e a outra metade pelo sistema proporcional com listas fechadas, elaboradas pelas direções partidárias.

Este sistema é menos pernicioso do que o distrital puro, porém, reduz o campo do voto de opinião, dificulta a eleição dos setores progressistas, facilita a eleição dos representantes dos grupos econômicos. Isto porque a metade dos parlamentares é eleita pelo sistema majoritário, distrital que, como já vimos, é altamente antidemocrático. A parcela de parlamentares a ser eleita pelo sistema proporcional terá muitas dificuldades porque o quociente eleitoral irá aumentar muito, dificultando a eleição dos candidatos populares e democráticos. O quociente eleitoral é o número mínimo de votos necessários para um parlamentar ser eleito pelo sistema proporcional. É o resultado da divisão do número de votos válidos, dados ao partido político ou coligação, pelo número de vagas a serem preenchidas. Assim, com a redução do número de vagas pela metade, dobra o quociente eleitoral, tornando mais difícil a eleição dos candidatos que não disponham de muitos recursos para a campanha. Além do mais haverá uma forte tendência de se combinar o voto no candidato majoritário com o voto na lista do mesmo partido, facilitando assim a eleição dos representantes dos partidos que contem com o apoio das elites locais, dotadas de poder e recursos abundantes para a campanha.

Tentar impor o voto distrital puro ou misto ao Brasil é procurar impor uma camisa-de-força numa realidade política multifacética que exige um sistema eleitoral capaz de abarcar toda esta diversidade. É o caminho para uma elitização maior ainda do poder político e um profundo retrocesso na democracia brasileira.

Sistema eleitoral proporcional

A adoção do sistema eleitoral proporcional representou um importante avanço democrático. Ele se tornou uma necessidade em decorrência da incorporação de grandes massas ao processo eleitoral, com a ampliação do sufrágio universal.

No sistema proporcional os partidos elegem um número de parlamentares proporcional ao número de votos que obtêm no processo eleitoral. Assim, um partido ou coligação que obtiver 30% dos votos terá, aproximadamente, 30% da representação parlamentar. Este é o sistema vigorante no Brasil. É adotado, também, por Áustria, Suécia, Dinamarca, Islândia, Irlanda, Holanda, Suíça, Finlândia, Israel, Portugal, Bélgica, Noruega, Luxemburgo, Grécia e Espanha. Isto sem citar a grande quantidade de países de América Latina, África e Ásia, que adotam tal sistema eleitoral.

Falando sobre o sistema proporcional, o ex-presidente Tancredo Neves afirmou: “Tenho para mim, com base na minha longa experiência de vida pública, sobretudo encarando o aspecto da realidade sócio-econômica do Brasil, que o sistema proporcional é o único capaz, como instrumento de ação política, de promover a rápida democratização das estruturas e das instituições brasileiras. O sistema proporcional é realmente uma ação política que determina que as resistências reacionárias, conservadoras e imobilistas têm que ceder à pressão das reivindicações populares, fazendo que a história siga sua marcha implacável”.

Há uma particularidade no sistema proporcional do Brasil: a existência das chamadas listas abertas. Ou seja, os partidos apresentam uma lista de candidatos e os eleitores escolhem em quem votar. Com isto há uma grande proliferação de candidatos e uma renhida disputa entre os candidatos do mesmo partido, pois serão eleitos os mais votados de cada legenda. Neste particular cabe um aperfeiçoamento de nossa legislação eleitoral com a adoção da lista fechada onde os partidos decidirão, em suas convenções, as listas de seus candidatos, estabelecendo o lugar de cada candidato na lista. Com isto o eleitor votará na lista partidária, com a conseqüente consolidação do sistema partidário no Brasil, evitando a luta fratricida entre os integrantes no mesmo partido, no processo eleitoral.

Vários países adotaram o sistema proporcional depois de uma larga experiência com o sistema distrital. São exemplos desta situação países como a Áustria que fez esta alteração em 1919; Bélgica em 1899; Dinamarca em 1918; Finlândia em 1906; Suécia em 1907; e Suíça em 1890.

Neoliberalismo e reforma política antidemocrática

O neoliberalismo ressuscitou as velhas teses da “mão invisível do mercado”. Lançou o lema “menos Estado e mais mercado”. Colocou em prática, em boa parte do mundo, a desregulamentação da economia, o processo de privatizações, desnacionalização da economia, a redução do papel do Estado em sua função social, a quebra de direitos dos trabalhadores. Para colocar em prática todas estas medidas tornou-se indispensável a adoção de reforma política visando limitar a representação política do povo e dos setores que se opõem ao neoliberalismo. No Brasil o seu objetivo central é assegurar o retorno das elites ao governo, anular o papel das forças progressistas e de esquerda e recolocar em marcha o projeto neoliberal barrado com o governo Lula. Esta reforma política antidemocrática inclui medidas como a adoção do voto distrital, a cláusula de barreira, entre outras medidas.

Falando sobre o mesmo tema, o professor argentino Atílio Boron afirma: “a refundação de uma ordem econômica liberal – isto é, que deixe as mãos livres às frações mais dinâmicas e concentradas do capital – exige a constituição de uma ordem política crescentemente autoritária”.

Já o professor Wanderley Guilherme dos Santos, afirma: “as revisões, reformas e legislação são sugeridas a título de dotar o nosso sistema político daqueles atributos de que seria manco: transparência, ética, representatividade e eficácia. Na realidade, porém, a derradeira estação deste atentado institucional seria, ou será, o retorno ao clube oligárquico da competição partidário-eleitoral minimalista”. Ainda segundo o professor, tais reformas representam “o mais violento atentado institucional já ousado por civis no último século da vida brasileira”.

Diante da evidência do significado antidemocrático da reforma pretendida pela direita é de se ficar estupefato diante da posição assumida pelo PT na discussão da cláusula de barreira, votando no senado a favor deste atentado à democracia. Da mesma forma causa surpresa a manifestação de setores deste partido em relação à adoção do voto distrital.

Uma reforma política democrática implica ampliar o exercício da soberania popular. Para isto cabe indagar: quais questões distorcem o exercício da soberania popular em nosso País?
Sem dúvida nenhuma o principal fator de distorção da vontade popular está na influência do poder econômico no processo eleitoral. Daí que a adoção do financiamento público exclusivo de campanha é o fator decisivo em uma reforma política democrática. Não se tem a visão ingênua de que num país capitalista o poder econômico não continue a exercer sua influência no processo político. Porém, o financiamento público de campanha viria a minorar este problema e reduzir a profunda desigualdade na competição eleitoral existente hoje entre os representantes dos grupos econômicos e os candidatos representantes do movimento popular. Esta questão é simplesmente deixada de lado pelas elites dominantes, pois para elas o financiamento particular é mais interessante já que contam com o financiamento de empresas nacionais, estrangeiras, bancos e grandes proprietários de terras.

Um outro fator de grande importância é a questão do quase monopólio privado dos meios de comunicação, que se colocam a serviço dos grandes grupos econômicos e do projeto neoliberal. Gramsci defendia a tese de que o Estado exercia o seu domínio de classe através da coação e de um processo de hegemonia política e cultural. Hoje os meios de comunicação jogam papel decisivo na construção desta hegemonia das classes dominantes. Por isto, a democratização dos meios de comunicação é decisiva na ampliação da democracia brasileira.

Outros aspectos relevantes dizem respeito à adoção do voto em lista como aperfeiçoamento do sistema proporcional e a plena liberdade de organização partidária.

Diante desta ofensiva da direita, tentando impor uma reforma política antidemocrática, contando com os grandes meios de comunicação, cabe às forças democráticas desencadear uma ampla campanha de esclarecimento da opinião pública sobre o papel que uma reforma política pode jogar no sentido de avançar ou de fazer retroceder nossa democracia. Para isto torna-se necessário incorporar não somente os partidos democráticos e progressistas, como as entidades do movimento social, autoridades políticas e acadêmicas realizando debates e manifestações por todo o País.

Aldo Silva Arantes é presidente do PCdoB/Goiás e membro da Comissão Política Nacional do PCdoB.

Referências

ARANTES, Aldo. Reeleição e Reforma Antidemocrática do Estado. Brasília: Câmara dos Deputados, 1997.
Reforma Política para ampliar ou restringir a democracia? Brasília: Câmara dos Deputados, 1998.
Partidos Políticos e Realidade Nacional. Brasília: Universidade de Brasília, 2001.
BORON, Atílio. Estado, Capitalismo e Democracia na América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1994.
LIMA, Haroldo. Reforma Política – O golpe tramado contra a liberdade partidária e as alternativas progressistas. Brasília Câmara dos Deputados, 2000.
NEVES, Tancredo. Modelos Alternativos de Representação Política no Brasil e Regime Eleitoral. Brasília: Pronunciamento realizado em 1980 na UnB.
NICOLAU, Jairo Marconi. Sistema Eleitoral e Reforma Política. Foglio.
SANTOS, Wanderley Guilherme. Regresso – máscaras institucionais do liberalismo oligárquico. Rio de Janeiro: Opera Nostra, 1994.

EDIÇÃO 89, ABR/MAI, 2007, PÁGINAS 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30