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    Comunicação

    Inventar o fogo

    I.   Uma brisa ágil fugiu do mar. Varreu os areais, meteu-se pelos becos,                                         pelos cais,   bateu à porta das oficinas, percorreu as ruas mortas, arrepiou a contravento a correnteza dos rios, assobiou na corda tensa dos fios, soprou bandeiras nos varais, cantou cantigas de cordel, visitou a cidade                             e seus vazios, […]

    POR: Pedro Tierra

    4 min de leitura

    I.
     
    Uma brisa ágil
    fugiu do mar.
    Varreu os areais,
    meteu-se pelos becos,
                                            pelos cais,
     
    bateu à porta
    das oficinas,
    percorreu as ruas mortas,
    arrepiou a contravento
    a correnteza dos rios,
    assobiou na corda tensa dos fios,
    soprou bandeiras nos varais,
    cantou cantigas de cordel,
    visitou a cidade
                                e seus vazios,
    preparou a pólvora
                                    e sonho,
    inventou o fogo
    na casa da escuridão
    e ensinou às nossas bocas
                                                desunidas
    uma canção de clarear.
     

    II.
     
    Canto a canto
    os galos do povo
    suspenderam no azul
    a manhã mobilizada.
     
    A roda se deteve
    sobre os trilhos
    nos subterrâneos da cidade.
     
    E as mãos ásperas
                                    dos pedreiros,
    como pássaros fatigados,
    mais afeitos à marcha
    que ao vôo,
    baixaram
                    dos andaimes
                                            despertadas.
     
    O tijolo rejeitou a massa.
    Recusou a pedra,
                   o prumo,
                                   a esquadria,
    o canto geral conteve o braço
    e o vôo dos edifícios se estancou
    na ponta seca
                            dos aços,
    na claridade do dia.
     
    O arado repousou sobre a terra.
    Madurou na espiga o cereal,
    a foice dobrada ao pé do eito
    a relfetir faíscas sob o sol,
    represou o corte
                                e a colheita.
     
    A máquina cedeu num momento
    ao comanda da mão
                                        que governa
    e saltou sobre o grito dos ferros
    o clamor dos homens
                                        fraternos,
    forçando o silêncio dos tornos.
     

    III.
     
    Preparar a pólvora
                                    e o sonho,
    inventar o fogo
    na casa da escuridão
    e ensinar às nossas bocas
                                                reunidas
    uma canção de Libertar.

     
    (Do livro Zeit der Widrigkeiten, Editon Diá, Berlin, 1990)