Inventar o fogo
I.
Uma brisa ágil
fugiu do mar.
Varreu os areais,
meteu-se pelos becos,
pelos cais,
bateu à porta
das oficinas,
percorreu as ruas mortas,
arrepiou a contravento
a correnteza dos rios,
assobiou na corda tensa dos fios,
soprou bandeiras nos varais,
cantou cantigas de cordel,
visitou a cidade
e seus vazios,
preparou a pólvora
e sonho,
inventou o fogo
na casa da escuridão
e ensinou às nossas bocas
desunidas
uma canção de clarear.
II.
Canto a canto
os galos do povo
suspenderam no azul
a manhã mobilizada.
A roda se deteve
sobre os trilhos
nos subterrâneos da cidade.
E as mãos ásperas
dos pedreiros,
como pássaros fatigados,
mais afeitos à marcha
que ao vôo,
baixaram
dos andaimes
despertadas.
O tijolo rejeitou a massa.
Recusou a pedra,
o prumo,
a esquadria,
o canto geral conteve o braço
e o vôo dos edifícios se estancou
na ponta seca
dos aços,
na claridade do dia.
O arado repousou sobre a terra.
Madurou na espiga o cereal,
a foice dobrada ao pé do eito
a relfetir faíscas sob o sol,
represou o corte
e a colheita.
A máquina cedeu num momento
ao comanda da mão
que governa
e saltou sobre o grito dos ferros
o clamor dos homens
fraternos,
forçando o silêncio dos tornos.
III.
Preparar a pólvora
e o sonho,
inventar o fogo
na casa da escuridão
e ensinar às nossas bocas
reunidas
uma canção de Libertar.
(Do livro Zeit der Widrigkeiten, Editon Diá, Berlin, 1990)