Que nos vais oferecer, História,

em teus pergaminhos amarelos?

Fomos apenas homens obscuros,

de fábricas e oficinas.

 

Lembrávamos os campos, cheirávamos forte

a cebola e suor.

E por detrás dos bigodes, com raiva,

maldizíamos a vida que levávamos.

 

Ao menos deverás ficar agradecida,

já que te engordamos com notícias,

que saciamos tua sêde

com o sangue de massacradas multidões.

 

Apenas traçarás o contôrno

mas o fundo será, eu o sei, um grande vazio

e ninguém terá falado

do drama tão simples do homem.

 

Os poetas estarão ocupados

com versos e panfletos,

e nosso ignorado sofrimento

seguirá sòzinho no espaço.

 

Foi vida que mereça ser descrita?

Vida para ser pesquisada?

Ah! Se alguém lhe tocar,

Sentirá seu gôsto acre do veneno.

 

Nascíamos nos campos, ao acaso,

e no abrigo das matas espinhosas

onde nossas mães nos pariam transpirando,

mordendo os lábios ressecados.

 

Morríamos como môscas no outono

E no dia dos mortos as mulheres choravam,

transformando em canções os seus lamentos

que apenas os cardos escutavam.

 

Nós os que sobrevivemos

suávamos por todos os poros

e trabalhávamos onde quer que fôsse

como bêstas.

 

Em nossos lares, nossos pais glosavam:

“Assim será porque sempre foi assim”

mas nós rugíamos e cuspíamos

sobre sua estúpida filosofia.

 

Deixávamos a mesa sem comer,

fugíamos de casa

para onde uma esperança nos chamasse

com seu sôpro e sua luz.

 

Oh, como esperávamos angustiados

nos cafés atulhados de gente!

E voltávamos tarde pela noite

trazendo as últimas notícias.

 

Mas se as esperanças nos acalentavam,

o céu pesava sombrio e baixo

e o vento soprando nos queimava

a ponto de não podermos suportar.

 

Em teus infinitos volumes,

através de tôdas as tuas páginas,

nosso sofrimento mostrará sua face endurecida,

chorando amargamente.

 

Porque a vida sem piedade,

com suas garras de fera

golpeou nossos rostos famintos

e por isto ficou áspera minha voz.

 

Por isto os poemas que hoje escrevo

nas horas roubadas ao sono

não têm o perfume das rosas

mas um breve e lacerado ritmo.

 

Por nossos sofrimentos

não pedimos recompensas.

Não queremos nossos retratos

nas páginas de tuas obras.

 

Conta nossa história simplesmente

àqueles que não iremos conhecer

E dize aos que nos substituírem

que lutamos com valor.

 

 

 

Nikola Vaptzarov

Vinte Poemas

Tradução de Wânia Filizola

Editôra Leitura S.A. – edição 1965