Deixar durante a noite a porta aberta,
sem medo de perder os bens,
sem medo de perder-se…
 
O irmão que era pobre
e perdeu a casa no incêndio,
possa entrar de mansinho
e dormir sob seu teto,
sem a humilhação de pedir.
 
E se vá pela manhã, dentro da névoa,
assim como veio, solitário e livre,
sem explicações penosas.
 
E vocês não mais se encontrem,
e, encontrando, não se reconheçam
nem se sintam atados um ao outro,
além desse laço imperceptível
que une dois homens perseguidos.
Ele reconheça, não por palavras suas,
mas pela boca dos pobres
que a vontade de justiça prossegue…
 
O frio da noite, contudo,
não o alcance no deserto
e ele encontre entre o povo
o hábito de abrigar os fugitivos.
 
À luz da candeia
receba em silêncio
notícias da luta:
 
homens fatigados
se batem na planície.
Homens endurecidos
resistem na planície.
 
E se vá pela manhã dentro da névoa
a retomar o caminho interrompido.
Nos ombros a escassa bagagem de peregrinos:
a rede grossa de algodão, puída,
o rifle curto, herança de revoltas.

 
                                                               
Escrito na prisão, em 1972, com os olhos voltados para os companheiros e companheiras que combatiam no Araguaia.