"Há um fosso entre três mundos.
                          E tu, Menor Abandonado,
                          és o entulho, as rebarbas e o aterro
                          desse fosso."
                          (Menor Abandonado, Cora Coralina)

 

Ah, esses versos de Cora,
a Coralina, mulher-coragem,
que força eles têm.

Argúcia e sabedoria ferina dessa doceira,
audácia suprema de pôr em maiúsculas,
o que quase toda a tal sociedade
trata como uma pústula,
ferida aberta a ser tamponada,
um incômodo em cada esquina,
uma coisa a se remover
dias antes de o Papa por aqui voltar,
ou quando há de passar um Governador,
um Presidente quem sabe,
qualquer que seja a cidade.

Esse grito,
rouco e agudo,
que estilhaça finos cristais,
reverbera,
e acorda
mesmo que uns poucos ouvintes.
Ecoa dessas Serras Douradas,
da santa boca da guerrilheira da palavra,
do antigo século,
ali da Vila Boa de Goiás,
a velha
e sempre capital
de letras, músicas do Goiás sem fim.

Profetiza,
socióloga sem diploma algum:
ainda hoje
suas crianças,
do Brasil por inteiro,
continuam condenadas
por essas seculares sentenças:
a da desesperança,
a do fracasso antecipado,
a de uma vida perdida desde a pouca idade.

Ah, o amargo do fel
dessa engrenagem perversa
que se quer perene,
cuspo fora,
e renovo votos de indignação:
Vivam as crianças de Cora,
viva sua doce canção.

 

Versos amargos para o
ano Internacional da Criança, 1979.