Carandiru: Pavilhão 111
Minha matéria são dos diários.
Nada mais verdadeiro. Objetivo.
E nada mais falso.
Nada mais verdadeiro
na sua falsidade.
Nada mais falso
na sua verdade percecível
vendida na banca.
O que me reserva
a verdade do dia seguinte?
A verdade dos aços?
Do fogo
cuspido cela adentro?
Ou a verdade da carne,
mastigada, sem fuga possível?
A alva verdade dos dentes
dos cães?
Ou a verdade dos nervos expostos
no piso dos corredores?
A verdade da marcha
dos homens de cinza,
escopeta no gancho do braço,
metralhadoras?
Ou a verdade dos nus?
A verdade da batalha
narrada pelos gatilhos
ou a desamparada verdade
dos corpos
empilhados
pelos que vão morrer
com tiros na nuca?
Que verdade, afinal, me apazigua?
Autoriza-me a seguir reproduzindo,
impotente, os minuciosos gestos diários
– essa forma imperceptível de morte -,
a presumir que apesar de toda a ruína
permanecemos todos
inalteradamente humanos?
O silêncio que sucede ao pranto,
nos vigia com sua sombra
e sua maldição.
Poema escrito em novembro de 1992, para denunciar o massacre do Carandiru.