A invenção da esperança
A paisagem da vida muda toda vez que a vemos, e quem a vê jamais é o mesmo. Mudam a paisagem e o viajante, na sopa quântica da eterna mudança. Não há quem mude, não há o que mude. Só a mudança, que não muda nunca. Na biblioteca labiríntica do universo, o Ser é um livro que jamais envelhece, pois nele se escreve o eterno recomeço.
Emoções parasitas formam famílias tóxicas, que perecem ante a ação destrutiva do próprio veneno que destilam. Por isto é preciso exercer domínio sobre as emoções parasitas, que de toda parte nos chegam, a nos vampirizar as forças do corpo, da mente e da alma. Quando pensar no desespero é a nossa única atividade, não pode haver espaço para a esperança. Sendo, ao lado da auto-piedade, uma das mais devastadoras emoções parasitas, o desespero rouba o espaço onde poderia germinar a esperança. Ao nos envolver completamente em seu torvelinho, somos tomados por sua força destrutiva.
Mas às vezes é preciso desesperar de tudo, abandonar toda esperança, como Dante, ao chegar ao inferno. Só então teremos olhos para encontrar o caminho que sempre esteve por perto, mas que jamais consideramos. E nesta nova jornada poderemos conhecer as Verdades da vida. “Quem saiu, ao meio dia, desesperado e faminto, está pronto para o Encontro”.
Quando só temos o nada à nossa frente, e até o desespero perde significado, ante a presença avassaladora da desesperança. Só então nos ocorre encarar aquilo que de verdade importa, e o quanto nada foi perdido do que é essencial. Aquilo para o que fomos nascemos e vivemos, mas cujo caminho nós mesmos teremos que construir. Porque só pode existir verdadeira vitória a quem escolhe por si mesmo o seu destino.
O escritor norte-americano Paul Auster, em seu romance A invenção da memória, citando Santo Agostinho, indaga: “Mas onde está essa mente que não está contida nela mesma? Estará em alguma parte fora dela, e não em seu interior? De que modo, portanto, pode ser uma parte da mente, se não está contida nela?”. Em certo momento do romance de Paul Auster, S, um compositor banido do cenário musical da França, acusado de ser colaboracionista, pelos nazistas, por permitir que uma orquestra executasse duas pelas suas, diz: “Tudo é milagroso. Nunca houve uma época mais maravilhosa do que esta”.
Isto, apesar de sobreviver, em um cubículo onde mal cabiam uma estante e uma cama, passando fome e frio, escondido atrás da máscara da excentricidade, que lhe permitia ser o outro em si mesmo. S. escrevia uma inacabável sinfonia cuja execução duraria doze dias e noites seguidos. Foi a estratégia que encontrou, para não sucumbir a um fracasso mais do que certo: não perder a esperança. Nesta obstinada esperança, não se dava conta da miséria material de seus dias. Descansava no milagre de existir. A certeza do fracasso não significava coisa alguma, ante o esplendor de fé com que reinventava a sua mais elevada esperança.
Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.