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    Comunicação

    Je ne regrette rien

    Céu esfumaçado. No vento de outono caminho pelo cais na luz tardia, meu casaco dobra, dobra, folhas de castanheiros respingam no Sena. Olho de relance na janela e toco meu cabelo, sim sou pequena como dizem, pequena como um pardal. Acendem as luzes agora. Fico sob a lâmpada, viro minha gola em um círculo de […]

    POR: Redação

    3 min de leitura

    Céu esfumaçado.
    No vento de outono
    caminho pelo cais
    na luz tardia,
    meu casaco dobra, dobra,
    folhas de castanheiros
    respingam no Sena.
    Olho de relance na janela
    e toco meu cabelo, sim
    sou pequena como dizem,
    pequena como um pardal.
    Acendem as luzes agora.
    Fico sob a lâmpada,
    viro minha gola
    em um círculo de chuva
    e espero por você.

    Está tudo começando de novo.
    Folhas mortas ou primavera
    retornam, recomeça.
    Como eu poderia lutar?
    Quando você me abraçou, seus ombros
    eram um muro, me abriguei
    na sua sombra, começou.
    Dizem que não poderia contar meus homens –
    em trinta anos eu não poderia contá-los!
    Mas quem conta os anos?
    Contar os anos quando estive cega?
    Crescendo num bordel? Educada pelas putas?
    Contar as preces que me trouxeram a visão em Lisieux?
    Ou os batimentos da minha filha, aos milhares,
    quando eu a tive aos quatorze anos
    até que ela morresse de fome?
    Contar as migalhas que recebi, ou as que dei?
    As espeluncas onde cantei, ou os grandes concertos?
    Contar os copos que bebi? Contar as camas
    onde deitei, os lábios que beijei?
    Não posso contar os cirurgiões que me abriram –
    você pensa que meus amantes estão num livro?
    Quer que eu comece a contar as lágrimas?
    Contar o quê? O custo? Que custo? Eu ganhei!

    Não! Deixe partir os homens que me tiveram.
    Não me arrependo de nada, nada. Alguns foram gentis.
    Mas não ligo se foram gentis!
    Eu não lembro se foi ruim.
    Não guardo o meu passado no bolso.
    Paguei por tudo, esqueci tudo.
    Paguei por tudo, esqueci tudo.
    Risco um fósforo para minhas memórias,
    Elas acendem o fogo e desaparecem.

    Aqueço meus braços esta noite
    o fogo começa
    as estrelas despontam
    sim começa
    tenho quarenta e cinco
    começa de novo
    escuto seu passo
    sim começa
    seus ombros largos
    brilham na chuva
    posso ver
    o cigarro apagado
    na sua boca firme
    que ele joga para o lado
    começa e
    não me arrependo de nada

    Cambaleamos na chuva
    ele esmaga minha boca.
    De que eu me arrependeria
    se centenas de partidas
    me atingiram
    como um raio se este
    raio de amor
    pode atingir e
    atinge
    de novo!

     

    Edwin Morgan
    Na Estação Central
    Seleção, tradução e introdução de Virna Teixeira
    Editora UnB – edição 2006