(Lavoura de ossos)
 

Nos anos de chumbo
passou como um raio
pelo bico do papagaio
a peste da morte.

Em Xambioá
luta não há:
os deserdados da sorte
continuam ao deus dará.

O medo cresce de outro jeito
onde o abandono humano
hoje é tecnotrágico.

Há uma lavoura de ossos
no chão de Xambioá.

Os que não viajaram
na noite perigosa
da selva selvagem
não podem julgar
se valeu a pena
não ter a alma pequena.

Iludidos ou românticos
entre delírios e esperanças vãs
eles acreditaram poder resgatar
a dimensão do humanismo.

Quem, no ar refrigerado
de seu escritório
pode avaliar a chama
que incendiou o peito deles?

II

Por onde se cave
em busca de corpos,
bala de fuzil
e o que se encontra
no chão nordestinado.

Não saem os mortos, aos gritos
do pesado silêncio
em que se acham.

Com água e sal
eram tratados os prisioneiros
que eram atirados em buracos
antes de serem fuzilados
para depois serem queimados
junto a pneus.

Eis como brasileiros
mataram brasileiros
em guerra de extermínio:
não com braçadas de rosas,
mas com saraivadas de balas
e ódio mortífero.

 Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.