Vida Sertaneja
Sou matuto sertanejo,
Daquele matuto pobre
Que não tem gado nem quêjo,
Nem ôro, prata, nem cobre.
Sou sertanejo rocêro,
Eu trabaio o dia intêro,
Que seja inverno ou verão.
Minhas mão é calejada,
Minha péia é bronzeada
Da quintura do sertão.
Por força da natureza,
Sou poeta nordestino,
Porém só canto a pobreza
Do meu mundo pequenino.
Eu não sei cantá as gulora,
Também não canto as vitora
Dos herói com seus brasão,
Nem o má com suas água…
Só sei cantá minhas mágua
E as mágua de meus irmão.
Canto a vida desta gente
Que trabaia inté morrê
Sirrindo, alegre e contente,
Sem dá fé do padecê,
Desta gente sem leitura,
Que, mesmo na desventura,
Se sente alegre e feliz,
Sem nada sabê na terra,
Sem sabê se existe guerra
De país cronta país.
Eu canto o forte cabôco,
De gibão e chapéu de côro,
Que, com corage de lôco,
Infrenta a raiva do tôro
Com um agudo ferrão.
E das noite de São João
Eu canto as bela foguêra
Com seu fogo milagroso,
Segredo misterioso
Das moça casamentêra.
Eu canto o sertão querido,
A fonte dos meus poema,
Onde se iscuta o tinido
Do grito da sariema
E onde o sertanejo véio
Observa os Evangéio
E nas noite de luá,
Sirrindo, alegre e ditoso,
Conta istora de Trancoso
Para o seu neto iscutá.
Sou sertanejo e me gabo
De já tê visto o vaquêro,
Atrás do novio brabo
Atravessá o tabulêro.
Amo a vida camponesa,
Nunca invejei a beleza
E a fantasia da praça.
Eu sou irmão do cabôco,
Que ri, que zomba e faz pôco
Da sua própia desgraça.
Cabôco que não cubiça
Riqueza nem posição
E nem aceita a maliça
Morá no seu coração.
Cabôco que, nesta vida,
Além da sua comida,
O que mais estima e qué,
É a paz, a honra e o brio,
O carinho de seus fio
E a bondade da muié.
O que mais preza e percura
O matuto camponês
É não quebrá sua jura,
Que, no casamento, fez.
Sem enfado e sem preguiça,
Quando vai uvi a missa,
De paz, amô e alegria,
Leva o seu coração cheio,
Prumode uvi os consêio
Do padre da freguezia.
E assim, na sua peleja,
Com a famia que tem,
Não inveja nem deseja
O gozo de seu ninguém.
Mas, por infelicidade,
Cronta seu gosto e vontade,
Munta vez, o pobre vê
A muié morrê de parto,
Gemendo dentro de um quarto,
Sem ninguém lhe socorrê.
Morre aquela criatura,
Depois, a pobre coitada,
No rumo da sepultura,
Vai numa rêde imbruiada.
Um adjunto de gente,
Uns atrás, ôtros na frente,
Num apressado rojão,
Quando um sorta, o ôtro pega:
É assim que se carrega
Morto pobre, no sertão.
Fica, o viúvo, coitado!
De arma triste e dilurida,
Para sempre separado
Do mió de sua vida,
Mas, porém, não percebeu
Que a sua muié morreu,
Só por fartá um dotô.
E, como nada conhece,
Diz, rezando a sua prece:
Foi Deus que ditriminou!
Pensando assim desta forma,
Resignado, padece;
Paciente, se conforma
Com as coisa que acontece.
Coitado! Ignora tudo,
Pois ele não tem estudo,
Também não tem assistença.
E por nada conhecê
Em tudo o camponês vê
O dedo da Providença.
Só a coisa que o matuto
Conhece, repara e vê
É tê que pagá tributo
Sem ninguém lhe socorrê,
É derramá seu suó,
Com paciença de Jó,
Mode botá seu roçado,
Esperto, forte e disposto
E tê que pagá imposto
Sem ninguém tê lhe ajudado.
Às vez, alegre e contente,
Quanto é tempo de fartura,
Ele diz pra sua gente:
Nossa safra tá segura!
Mas, de repente, intristece,
Pruquê magina e conhece
Que os home de posição
Só óia para o seu rosto
Pra ele pagá imposto
Ou votá nas inleição.
Quando aparece um sujeito,
De gravata e palitó,
Todo alegre e sastifeito,
Como quem caça xodó,
O matuto experiente
Repara pra sua gente
E, sem tê medo de errá,
Diz, com um certo desgosto:
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Patativa do Assaré
Cante lá que eu canto cá – Filosofia de um trovador nordestino
Editora Vozes – 5ª edição – 1984