Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    Comunicação

    Iniciação

    – Meu pai, o que é a liberdade? – É o seu rosto, meu filho, o seu jeito de indagar o mundo a pedir guarida no brilho do seu olhar. A liberdade, meu filho, é o próprio rosto da vida que a vida quis desvendar. É sua irmã numa escada iniciada há milênios em direção […]

    POR: Redação

    3 min de leitura

    – Meu pai, o que é a liberdade?

    – É o seu rosto, meu filho,
    o seu jeito de indagar
    o mundo a pedir guarida
    no brilho do seu olhar.
    A liberdade, meu filho,
    é o próprio rosto da vida
    que a vida quis desvendar.
    É sua irmã numa escada
    iniciada há milênios
    em direção ao amor,
    seu corpo feito de nuvens
    carne, sal, desejo, cálcio
    e fundamentos de dor.
    A liberdade, meu filho,
    é o próprio rosto do amor.

    – Meu pai, o que é a liberdade?

    A mão limpa, o copo d'água
    na mesa qual num altar
    aberto ao homem que passa
    com o vento verde do mar.
    É o ato simples de amar
    o amigo, o vinho, o silêncio
    da mulher olhando a tarde
    – laranja cortada ao meio,
    tremor de barco que parte,
    esto de crina sem freio.

    – Meu pai, o que é a liberdade?

    É um Homem morto na cruz
    por ele próprio plantada,
    é a luz que sua morte expande
    pontuda como uma espada.
    É Cuauhtemoc a criar
    sobre o braseiro que o mata
    uma rosa de ouro e prata
    para a altivez mexicana.
    São quatro cavalos brancos
    quatro bússolas de sangue
    na praça de Vila Rica
    e mais Felipe dos Santos
    de pé a cuspir nos mantos
    do medo que a morte indica.
    É a blusa aberta do povo
    bandeira branca atirada
    jardim de estrelas de sangue
    do céu de maio tombadas
    dentro da noite goyesca.
    É a guilhotina madura
    cortando o espanto e o terror
    sem cortar a luz e o canto
    de uma lágrima de amor.
    É a branca barba de Karl
    a se misturar com a neve
    de Londres fria e sem lã,
    seu coração sobre as fábricas
    qual gigantesca maçã.
    É Van Gogh e a sua tortura
    de viver num quarto em Arles
    com o sol preso em sua pintura.
    É o longo verso de Whitman
    fornalha descomunal
    cozendo o barro da Terra
    para o tempo industrial.
    É Federico em Granada.
    É o homem morto na cruz
    por ele próprio plantada
    e a luz que sua morte expande
    pontuda como uma espada.

    – Meu pai, o que é a liberdade?

    A liberdade, meu filho,
    é coisa louca que assusta:
    visão terrível (que luta!)
    da vida contra o destino
    traçado de ponta a ponta
    como já contada conta
    pelo som dos altos sinos.
    É o homem amigo da morte
    por querer demais a vida
    – a vida nunca podrida.
    É o sonho findo em desgraça
    desta alma que, combalida,
    deixou suas penas de graça
    na grade em que foi ferida…
    A liberdade, meu filho,
    é a realidade do fogo
    do meu rosto quando eu ardo
    na imensa noite a buscar
    a luz que pediu guarida
    nas trevas do meu olhar.

     

    Moacyr Félix
    Invenção de Crença e Descrença
    Editora Civilização Brasileira – edição 1978

    Notícias Relacionadas