Noveleta – nova continuação
Dentro do ônibus, encaracolado no fundo da poltrona, reconstituía rostos.
A velha, com seu queixo protraído, a pele curtida, os olhos de um castanho baço, líquido, caindo para o esverdeado, duros como a certeza, certos como juízes. Temia aqueles olhos até as fronteiras do ódio. Exasperavam-no com sua natureza de contratempos.
O velho, com sua cara tal qual ouricuri, olhos agoniados, a boca como que sem jeito sempre, como se estivesse sempre a solicitar perdão por algo que não fez e que nunca deveria ter feito. O velho lhe cheirava a desprezo, a caco de pote, à parede descascada, manchada de mijo.
Nem eram tão velhos assim. Quer dizer, agora deviam estar propriamente velhos. Mas quando partira, eram, no máximo, maduros. Mas já tinham aqueles olhos idosos; aqueles quilômetros de vida. Eram, para ele, velhos. E assim os chamava lá em seu silêncio.
Faziam filho como o quê. Nunca vira aquilo. Da vila, eles encabeçavam a família de maior prole. Muitos não vingaram. Ainda assim, sobraram sete: três garotos e quatro meninas. Não gostava dos meninos. Se acreditasse em afeto, reservaria ele todo pras pequenas. Mas elas o punham em susto. Sobretudo a de sete anos, que o olhava de frente, como se o traduzisse.
Num esforço, tentou recordar seu rosto. Não conseguiu. Confundia-o com o das outras meninas. E com os da ruma de meninas que vira em suas deambulações. Contudo, ela era nítida, como uma sensação.
Nova parada. Resolveu desta vez esticar as pernas. Não sentia fome. Desde o dia do pagamento – já tem o quê? Uma semana? – desde aquele dia, vivia de café, água e alguma fruta. Nunca matara antes. Mas saiu daquele barracão como se não fizesse outra coisa na vida. Desde então, perdera o apetite. Comia por obrigação.
Na plataforma, acendeu um cigarro. Fazia frio. Ainda tinha muito chão antes de sair do Rio Grande. Até a vila, lá em cima do Brasil, um estirão de memória haveria de se apresentar.