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    Comunicação

    A Cruz da estrada

    A meu amigo E. Jary Monteiro    Se vagares um dia nos sertões, Como hei vagado – pálido, dolente, Em procura de Deus – da fé ardente Em meio das soidões… Se fores, como eu fui, lá onde a flor Tem do perfume a alma inebriante, Lá onde brilha mais que o diamante A lágrima […]

    POR: Redação

    2 min de leitura

    A meu amigo E. Jary Monteiro 
     

    Se vagares um dia nos sertões,
    Como hei vagado – pálido, dolente,
    Em procura de Deus – da fé ardente

    Em meio das soidões…
    Se fores, como eu fui, lá onde a flor
    Tem do perfume a alma inebriante,
    Lá onde brilha mais que o diamante
    A lágrima da dor…
    Se sondares da selva e entranha fria
    Aonde dos cipós na relva extensa
    Noss’alma embala a crença.
    Se nos sertões vagares algum dia…
    Companheiro! Hás de vê-la.
    Hás de sentir a dor que ela derrama
    Tendo um mistério, aos pés, de um negro drama,
    Tendo na fronte o raio de uma estrela!…
    Que vezes a encontrei!… Medrando calma
    A Deus, entre os espaços
    No desgraçado, ali tombado, a alma
    Que tirita, quem sabe?, entre os seus braços.
    Se a onça vê, lhe oculta a asp'ra, ferrenha
    Garra, estremece, pára, fita-a, roja-se,
    Recua trêmula, e fascinada arroja-se,
    Entre as sombras da brenha!…
    E a noite, a treva, quando aos céus ascende
    E acorda lá a luz,
    Sobre os seus braços frios, frios, nus,
    – Tecido de astros em brial estende…
    Nos gélidos lugares
    Em que ela se ergue, nunca o raio estala,
    Nem pragueja o tufão… Hás de encontrá-la
    Se acaso um dia nos sertões vagares…

    (maio, 1884)

    CUNHA, Euclides da. Ondas e outros poemas esparsos. In: Obras Completas, Afrânio Peixoto (org.). 2ª ed. Nova Aguilar: Rio de Janeiro, 1995, 2 v.