Diante da ameaça catastrófica ao planeta – devido aos efeitos do aquecimento global –, é imprescindível a união de todos num amplo processo de mobilização social com a perspectiva do que poderá ser feito em curto, médio e longo prazo para evitarmos uma hecatombe. O momento é oportuno.

O assunto está na ordem do dia. Segundo pesquisa recente, feita na internet pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, a preocupação com o aquecimento global em 47 países triplicou em apenas seis meses. Pelo levantamento, o Brasil é um dos países onde a inquietação é mais acentuada (Público se preocupa mais com o clima”, Caderno Ciência, Folha de S.Paulo, 06.06.2006).

Não é à toa. Projeções científicas indicam que as queimadas e desmatamentos somente na região amazônica são responsáveis por 75% das emissões de gases do efeito-estufa no Brasil, país considerado o quarto maior emissor de gases na atmosfera, cerca de 300 milhões de toneladas por ano.

A nosso favor podemos contar com um acúmulo considerável de conhecimento sobre o assunto por parte da comunidade científica e com a atuação destacada de algumas entidades do terceiro setor, sobretudo a partir do movimento ambiental surgido na Rio-92.

Tais atores precisam estar articulados com um amplo movimento social, pois somente as mudanças de práticas e atitudes dos cidadãos darão respostas eficazes ao colossal problema; isso se outros países fizerem seu dever de casa.

No nosso caso, é de fundamental importância o governo federal encaminhar uma ampla política nacional sobre as mudanças climáticas, envolvendo não apenas o Ministério do Meio Ambiente (MMA), mas todos os órgãos do Executivo. Grande monta de recursos deverá ser investida em estudos climáticos, melhoria da infra-estrutura das instituições de pesquisa e em campanhas de educação ambiental.

Por outro lado, não há como negar os esforços já empreendidos pelo MMA no sentido de combater o aquecimento global. Segundo dados a nós repassados pela própria ministra Marina Silva, nos últimos dois anos houve uma redução do desmatamento da Amazônia em 52%. Nesse período, foram reduzidas as emissões de CO2 em 430 milhões de toneladas. Somado a isso, a ministra destaca que no primeiro governo Lula foram apreendidos 900 mil metros cúbicos de madeira ilegal e fechadas 1,5 mil empresas envolvidas em atividades ilícitas na Amazônia.

Outra questão a ser ressaltada é o empenho brasileiro para a produção de energia a partir das fontes alternativas renováveis – como o biocombustível, fonte não-poluente. O país já possui 45% da sua matriz energética renovável contra apenas 6% dos países desenvolvidos, os maiores responsáveis pela situação crítica do planeta.

Ainda podemos destacar a experiência do Amazonas – estado em que atuo – onde o governo estadual sancionou o Projeto de Lei n. 93, de 2007, que cria a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas e Conservação Ambiental, e o Projeto de Lei Complementar n. 4, que institui o Sistema Estadual de Unidades de Conservação. Com isso, o governo criou mecanismos de compensação fiscais e financeiros para incentivar a redução dos impactos ambientais no estado e estabeleceu mecanismo para propiciar às empresas da Zona Franca de Manaus (ZFM) reduzirem suas emissões de CO2.

Foi criada a chamada Bolsa-Floresta que remunerará os amazônidas que vivem dentro ou nas áreas próximas as Unidades de Conservação. Para tanto, basta não provocarem queimadas e desmatamentos. Há uma perspectiva de que sejam beneficiadas 8,5 mil famílias de 33 unidades de conservação numa área de 17 milhões de hectares.

Para incentivar essa política, o governo constituiu um fundo a fim de financiar a proteção da floresta que receberá doações nacionais e internacionais, de pessoas físicas e jurídicas. Trata-se de uma iniciativa pioneira e de extrema relevância, visto que urge a implantação de políticas de conservação ambiental em todo o país.

A iniciativa foi bem aceita na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas ocorrida em maio passado em Nairóbi, Quênia. Igual recepção, infelizmente, não obteve a proposta do governo brasileiro de criar um fundo voluntário com recursos dos países desenvolvidos para serem aplicados em projetos de desenvolvimento sustentável nos países que combatem o desmatamento. Tal proposta foi rejeitada pelos países industrializados durante a reunião realizada no mesmo mês em Bonn na Alemanha, onde se estabeleceram as negociações do regime de aquecimento global que substituirá o Protocolo de Kyoto. Esse fato é muito lamentável. Isso por ser quase consenso que sem ajuda financeira dos países ricos não há como reduzir em 50% o desmatamento de florestas tropicais até 2050. Com base nos dados do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), para alguns cientistas, esse percentual de redução evitaria a emissão de 50 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera terrestre. A insensatez dos países ricos é tamanha que eles não levam em conta o fato de a redução do desmatamento ser a forma mais barata de combate ao aquecimento global.

Debate no Congresso

Em sintonia com o que está acontecendo no mundo em termos de discussão sobre o aquecimento global, o Congresso Nacional criou este ano a Comissão Mista de Mudanças Climáticas, cujo principal objetivo é realizar na Câmara e no Senado um esforço concentrado para votar projetos prioritários nessa área. Esperamos votá-los até o final de 2007.

Tramitam no parlamento proposições sobre o controle das queimadas, dedução de impostos para quem utiliza sistemas de energia alternativos; políticas públicas para atenuar o aquecimento; divulgação obrigatória dos maiores responsáveis pelo desmatamento; e acompanhamento sistemático das emissões de gases que provocam o efeito-estufa.

Na Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional (CAINDR) – à qual tenho muito orgulho de presidir – instalamos uma subcomissão permanente para estudar e emitir parecer sobre o fenômeno do aquecimento global e alterações climáticas. Com ênfase sobre a região, ainda este ano realizaremos, em conjunto com outras comissões, o Simpósio Amazônia Século XXI e o
Seminário Internacional sobre mudanças climáticas.

Tais eventos reunirão políticos, trabalhadores, empresários, a comunidade científica e acadêmica para discutir questões ligadas à região, como: clima, meio ambiente, economia, produção, questões indígenas, energia, entre outras, que contribuem para o desenvolvimento sustentável e para a integração da Amazônia com outras regiões.

Com a perspectiva de envolvimento dos diversos atores sociais nos debates, já realizamos uma dezena de audiências públicas, aprovamos mais de 30 proposições e quase 100 requerimentos. Foram debatidos intensamente temas como: mudança climática; implicação das queimadas na floresta amazônica; transposição das águas do rio São Francisco; as novas Sudam e Sudene; Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para a Amazônia e Nordeste; direitos dos povos indígenas; atuação das ONG’s em áreas indígenas; e a greve dos servidores do Ibama.

A CAINDR também instalou a subcomissão especial destinada a acompanhar os desdobramentos das medidas provisórias do PAC referentes aos recursos reservados para a Amazônia, região Nordeste e Centro-Oeste. Essa subcomissão tem como objetivo estudar e analisar os impactos do PAC sobre a política de integração nacional.

Outra nova subcomissão especial trata de questões fundiárias e agrárias na região amazônica. E uma terceira foi criada com o objetivo de efetivar um acordo entre Roraima e o governo federal para a definição da questão fundiária, econômica e social desse estado.

Ainda foram criadas algumas subcomissões permanentes: a que objetiva estudar e emitir parecer sobre o fenômeno do aquecimento global e alterações climáticas; a que trata das alternativas econômicas sustentáveis para a Amazônia Brasileira e Fontes de financiamento do Sistema Nacional do Meio Ambiente; e a destinada a tratar das questões relacionadas ao Nordeste e áreas de abrangência da Sudene.

Para marcar os dez anos de muita atuação da comissão, realizamos o lançamento do Selo Comemorativo a essa década. O evento contou com a presença da ministra Marina Silva, de lideranças do Congresso e representantes de setores da sociedade civil organizada.

Há oito anos como integrante da comissão, tive a satisfação de apresentar e ver aprovada a proposta que permitirá pela primeira vez na história do parlamento a participação da CAINDR na Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento que será realizado em Belém (PA), entre 8 e 13 de julho, sob o tema “Amazônia: Desafio Nacional”, permitirá aos deputados da comissão discutirem com os pesquisadores os problemas da região. O mundo científico tem muito a contribuir com as proposições e os projetos que pensamos em apresentar no parlamento e vice-versa. Quem ganha com essa troca é o país.

Em reunião com o presidente da SBPC, Ênio Candotti – que defende com grande entusiasmo a aceleração da formação de pesquisadores na região – foi listada uma série de assuntos para o aprofundamento do debate; entre outros, a biodiversidade, o uso sustentável da floresta e o maior intercâmbio com as comunidades tradicionais e indígenas da Amazônia. Queremos debater os problemas da região sobre o foco das desigualdades regionais. Afinal, vivem na Amazônia 22 milhões de brasileiros precisando de melhor qualidade de vida e bem-estar social.

Isso porque, em tese, todos estão preocupados com o desenvolvimento da região e com a proteção de sua extraordinária biodiversidade, mas na prática as concepções mais difundidas acerca do desenvolvimento são francamente conflitantes.

Já superada, existiu na década de 1970 a teoria desenvolvimentista que tomou como base o Plano de Integração Regional (PIN), um instrumento para “assegurar terras sem homens para homens sem terra”. Com isso, surgiram na região grandes rodovias como a Transamazônica. Os estragos ambientais provocados por essa teoria, sem maiores ganhos sócio-econômicos para a população, são a base objetiva sobre a qual se construiu a “teoria do santuário”.

Pensamento muito em moda na década de 1980, defendido principalmente por ONG’s estrangeiras, a teoria do santuário sustenta a tese de que a Amazônia não suporta pisoteio humano e, portanto, deve ser integralmente preservada como reserva estratégica, pois a região seria patrimônio da humanidade e não apenas do povo brasileiro. Raras são as pessoas atualmente assumindo publicamente essa tese.

A contradição radical entre os defensores do desenvolvimentismo e os adeptos da Amazônia como santuário levou as correntes mais progressistas a desenvolverem um conjunto de idéias que busca conciliar o crescimento econômico com a conservação ambiental, para que esse crescimento se torne perene e se converta efetivamente em desenvolvimento. Hoje predominante, a teoria do desenvolvimento sustentado agrega muitas divergências práticas e teóricas, pois também aí se escondem muitos santuaristas e desenvolvimentistas.

Enfim, tenho a clara convicção de ser possível aliar desenvolvimento com preservação ambiental, mas esse é um debate que não pode ficar restrito ao meio político e científico. É preciso envolver a sociedade, pois somente a unidade de todos os segmentos pode superar os grandes obstáculos estruturais enfrentados pelo país que, certamente, já passa a ter um novo olhar sobre a Amazônia.

Vanessa Grazziotin é farmacêutica pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam); exerce seu terceiro mandato de deputada federal pelo PCdoB do Amazonas e é presidente da Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional na Câmara Federal.

EDIÇÃO 90, JUN/JUL, 2007, PÁGINAS 22, 23, 24, 25