O povo e a frente democrática, quando triunfaram sobre o arbítrio em 1985, no rol de suas bandeiras destacava-se o regaste da liberdade de imprensa. Por isso, fizeram escrever na Constituição de 1988, em seu Capítulo V, a concepção de que a liberdade de imprensa e a comunicação social plural enriquecedora da consciência do povo são partes da democracia que se quer no Brasil.

Quase vinte anos depois – ultrapassada a longa noite autoritária dos anos 1990 e descortinado um ciclo progressista com a vitória de Lula em 2002 – o processo de construção da democracia brasileira se depara com um obstáculo que progressivamente se avoluma.

A comunicação social plural consagrada pela Carta Magna – Carta que textualmente veda o monopólio na esfera dos meios de comunicação – torna-se uma aspiração cada vez mais distante e uma necessidade cada vez mais premente. Por sua vez, a liberdade de imprensa é aviltada e reduzida à “liberdade de empresa”, por conglomerados de mídia que atuam sem marco regulatório, sob a regência quase tão somente da ganância de seus interesses. Quer ser onipotente e onipresente. Daí reage, por exemplo, com virulência contra o projeto da TV Pública determinado pela Constituição que o governo pretende concretizar.

Se outrora a comunicação plural e a liberdade de imprensa foram aniquiladas pela ditadura militar, agora, encontram-se “aprisionadas” pelos interesses econômicos e políticos dos monopólios nacionais e dos oligopólios estrangeiros.

Em conseqüência, instaurou-se um confronto do bloco formado pelo povo e a frente democrática e de esquerda versus o monopólio midiático que desrespeita e afronta praticamente todo o Capítulo V da Constituição. O motivo do confronto é nítido: tal como atua e está configurada a mídia não há como a democracia avançar no país.

A meia dúzia de monopólios que domina a mídia brasileira é em muitos negócios associada a oligopólios estrangeiros e, também, ameaçada de ser engolida por estes.

Segundo alguns estudos, cerca de sete oligopólios controlam o mercado da mídia no mundo. E tais mega-corporações, obviamente, têm pátria, se originaram e têm como base as grandes potências capitalistas, sobretudo os Estados Unidos. Esses oligopólios se associam a monopólios regionais e nacionais da periferia do sistema, beneficiam-se das desregulamentações patrocinadas pelo neoliberalismo e ambicionam açambarcá-los. Desse modo, a mídia é ao mesmo tempo um negócio que movimenta trilhões de dólares do mundo e uma usina ideológica poderosa a serviço da legitimação do imperialismo.

É possível compreender, com essa leitura, por que se elevou aquele confronto mencionado entre a mídia e o campo democrático e popular depois do ciclo político inaugurado pela vitória do presidente Lula em 2002, e reafirmado com sua reeleição em 2006. O compromisso do presidente Lula é implementar um projeto nacional de desenvolvimento, assentado na democracia, na soberania nacional, e direcionado para elevar a qualidade de vida do povo.

Contra a realização desse projeto respaldado pela maioria da nação formou-se um conluio, um consórcio entre a mídia e o conservadorismo das elites locais, ambos títeres dos interesses do imperialismo. Metaforicamente, a mídia é o braço eletrônico das elites dotado de força equivalente ou superior ao “braço armado” ao qual ela recorria no passado. É o poderoso “partido eletrônico” do capital e das elites tão necessário a eles quanto, por exemplo, o PSDB e o DEM.

Assim como o sufrágio universal decorrente da luta do povo, nas primeiras décadas do século XX foi uma conquista determinante à ampliação da democracia, hoje, nos primórdios do XXI, pela dimensão adquirida pela mídia na comunicação humana – sobretudo, na esfera da política – sua democratização é uma condição à existência da própria democracia.

No Brasil a mídia se encontra “fora da lei”. Por isso, o ponto de partida é lutar pela aplicação do Capítulo V da Constituição. Simultaneamente, é preciso dar seqüência com os instrumentos de hoje à histórica luta de fortalecimento da imprensa popular.

EDIÇÃO 91, AGO/SET, 2007, PÁGINAS 3