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    Comunicação

    Tango na Paulista

    Cinza, frio, noite típica paulistana de inverno. Saio do cinema, lacrimejando, Possuído pelas desgraças dos personagens– algo típico meu. Subo as escadas e assim Com o coração na mão dou de cara com ela. Ela com sua diversa fauna e escassa flora. (Flores somente as suspensas nos postes). Suas luzes lindas e as estrelas longínquas […]

    POR: Redação

    3 min de leitura

    Cinza, frio, noite típica paulistana de inverno.

    Saio do cinema, lacrimejando,
    Possuído pelas desgraças dos personagens– algo típico meu.
    Subo as escadas e assim
    Com o coração na mão dou de cara com ela.
    Ela com sua diversa fauna e escassa flora.
    (Flores somente as suspensas nos postes).
    Suas luzes lindas e as estrelas longínquas
    E a lua espetada na antena da TV,
    E na calçada um músico mulato,
    Toca, solitariamente, há horas,
    Piazzolla.

    Entrei para assistir o filme
    Ele ali já se encontrava
    Com a disciplina de um espartano,
    Tocando tango
    Com a fé de um franciscano,
    O corpo dançando
    Num molejo manso.

    Olhei no chapéu
    E não havia dinheiro sequer
    Para um pão decente.
    A avenida, o frio, o tango,
    Possuído
    Pela tragédia do “despertar de uma paixão”
    Eu carregava debaixo do braço
    Uma revista de poesia,
    E aquele homem abrindo-se e fechando-se.
    Tocando Piazzolla,
    Com a perseverança e a boa-venturança
    De um monge,
    Ele sim era a poesia, de nada valia
    Aquela revista sofisticada,
    Aqueles poemas requintados, requentados.
    Quer saber?
    Era merda da pura
    Comparado àquele acordeom
    Que acasalava São Paulo com Buenos Aires…

    As pessoas passavam e embora o achassem belo
    E a música os fizesse bem,
    Não havia tempo para ouvi-lo
    E aplaudi-lo não seria de bom tom.
    Eu já estava na boca do metrô
    Voltei e como quem vota
    Depositei no chapéu uma cédula.

    Que ao menos aquele
    Portenho mulato
    Que mais parecia
    Um regente de bateria
    De escola de samba
    Orvalhado pela garoa paulistana
    Tivesse ao final da jornada
    Um bife a cavalo
    Uma taça de vinho…
    Era o mínimo que eu poderia fazer
    A quem deu um fino jantar à minha alma.

     Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).

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