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    Comunicação

    Tercetos de Leningrado

    Brisa do Báltico, um soprar de enlevos. A doçura de pombos a meu ombro Vibrai, ó álamos de irreais canteiros! Trinta anos vão de mim cobrir de escombros sentimentos que dei, mas sem destino, e estas sombras no chão são minha sombra. São trinta solidões numa campina, trinta voltas do amor à borda amarga de […]

    POR: Redação

    4 min de leitura

    Brisa do Báltico, um soprar de enlevos.
    A doçura de pombos a meu ombro
    Vibrai, ó álamos de irreais canteiros!

    Trinta anos vão de mim cobrir de escombros
    sentimentos que dei, mas sem destino,
    e estas sombras no chão são minha sombra.

    São trinta solidões numa campina,
    trinta voltas do amor à borda amarga
    de um lago que afogou trinta meninos.

    Reconheço-me em todos, todos guardam
    o jeito meu de olhar a natureza
    e pedir um brinquedo ao céu da tarde

    Sempre era a tarde – e fábulas acesas
    nas fímbrias das regiões fulvas do ocaso
    contavam-me de alem, de outras belezas…

    Meu sonho entre currais, meu não ter asas
    com que romper as cêrcas de azuis longes
    e ter por mim a bússula dos pássaros.

    Depois, a altura e estradas. Tantas pontes
    levaram-me a outros lados, a outros reinos,
    que hoje às vêzes nem sei onde me encontro.

    Sementes de meu ser queimam-me, queimam
    a infância seqüestrada a um céu de exílio
    e que o leite da terra ainda sustenta.

    À sêde contra oceanos juntei ilhas,
    e um colar de saudades já se forma,
    (êste tesouro eu guardo-o como a um filho).

    Coqueirais… litorais… Qual foi meu norte?
    Meu coração repete o mar e clama
    por alguém que ficara em vários portos.

    Vamos, Afonso. A vida dói, mas vamos.
    Descem aves de agouro a teus pomares,
    mas se amas te enriquece a dor… pois vamos!

    Brisa do Báltico e de muitos mares
    chega-se a ti – trinta anos desmoronam-se
    Ficas nu, estás só, sentes que és barro.

    E que trazes, além dêsse abandono?
    Nada tens entre as mãos? Guias um cego,
    mas não sabes onde ir? Feras te domam,

    e o coração é o fardo que carregas.
    Árvores dão-te os frutos; não alcanças
    a altura de um cismar. És cego. É cego!

    Brisa do Báltico, os cristais de um manso
    sonho arrancado à dor, na manhã russa
    plantados fundo como o amor se planta.

    Cantam as amplidões, chaminés buscam
    as nuvens torpedeadas, falam sopros
    meigos como os da brisa, o sol não custa

    e seu brilho é um só brilho sôbre todos
    e em seu brilho um só brilho se reflete.
    Já podemos viver, somos já outros.

    Ou só agora somos nós. A terra
    nos dá de nôvo a forma que não tínhamos
    ou que cedo perdêramos. A terra

    abre suas mais entesouradas minas
    para que na visão simples de um vale
    ou de uma flor, ou mesmo de uma vinha

    a estender-se nos campos do passado,
    novamente aprendamos a querê-la
    qual se fôra uma irmã entre ramagens.

    Ó praia dos iguais! muitos apelos
    de exaustos corações formam as ondas
    que buscam teus remansos, sem rochedos.

    Nas extensões do amor, enfim os homens
    mais fundamente vivem. Soprai, brisas!
    Quero enviar, nas asas de uma pomba,

    a Lenin uma rosa, e um hino à Vida.

     

    Afonso Felix de Sousa
    Antologia Poética
    Editora Leitura S.A. – edição 1966
     

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