Soneto
Aquela fera humana que enriquece
sua presuntuosa tirania
destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal que falta quando cresce;
Se nela o Céu mostrou (como parece)
quanto mostrar ao mundo pretendia,
porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte s’enobrece?
Ora, enfim, sublimai vossa vitória,
Senhora, com vencer me e cativar me:
fazei disto no mundo larga história.
Que, por mais que vos veja maltratar me,
já me fico logrando desta glória
de ver que tendes tanta de matar me.
CAMÕES, Luis de. Lírica. Cultrix: São Paulo, 1963.