A rajada de gelo verga o cipreste.
Um rosto distorcido vaga sob a neve e grita.
E desde então o grito infesta o planeta.

Um cipreste,
A angústia pode ser bebida
Naquele cone verde.
Um homem vomitando
Numa noite escura
Infestou o planeta.

Moro num subúrbio dos trópicos.
Nesse chão poeirento,
Sei lá por que cargas d'água,
Há também um cipreste que verga e uiva.
E minha face é uma réplica ordinária
Daquela estampa.
Minha garganta possuída
Pelo vômito.

Alastrou-se a peste,
As desgraças nos foram injetando cicuta.
E o grito povoa o mundo.
E a dor que ele brada
É tão importante quanto a alegria.
Sua face monstruosa
Tão humana quanto à face
Rosada e esperançosa de uma criança.
O grito é a criança que cresceu
Acuada
Cercada
Pelo demônio do meio-dia.

E desde o grito
A vida voltou a ter esperança. 
Ele não é só horror,
Não é só vômito sujando a branca cerâmica.
É belo: expele o veneno que aniquila por dentro. 

 

As Delícias do Amargo & Uma Homenagem poemas – Adalberto Monteiro
Editora Anita Garibaldi, 2006
 

Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).