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    Comunicação

    Mensagem aos poetas novos

    A poesia é simples. Vejam como a lua úmida Surge das nuvens Livre e indiferente. Vejam o silêncio que nasce Dos túmulos, nas madrugadas! A poesia é simples. O canto é pobre e puro Como o pão e o fogo. Como os vôos dos pássaros Nos céus azuis. Agora sinto que me liberto. Venho dos […]

    POR: Augusto Frederico Schmidt

    4 min de leitura

    A poesia é simples.
    Vejam como a lua úmida
    Surge das nuvens
    Livre e indiferente.
    Vejam o silêncio que nasce
    Dos túmulos, nas madrugadas!

    A poesia é simples.
    O canto é pobre e puro
    Como o pão e o fogo.
    Como os vôos dos pássaros
    Nos céus azuis.

    Agora sinto que me liberto.
    Venho dos mistérios da adolescência,
    Das insônias, brancas barcarolas,
    Ventos exaustos, mãos ardendo,
    Olhares que as chamas já perdidas
    Descobriram, refúgio de velhas ambições,
    Porto de inquietas, tristes esperanças
    Adormecidas, lívidas, extintas,
    Subitamente despertadas.
    Que ruído de asas de repente –
    Que tremores nas vozes apagadas
    E que brilham de novo intensamente!

    Agora sei que é simples a poesia.
    E que é a própria vida:
    Antes julgava apenas que era morte,
    Quando nada vivera e não sentira
    Senão o folhear das aleluias.
    Agora sei. Contemplo a tarde:
    O sol no ocaso cortas as árvores,
    Pelas estradas passam caminhantes
    Que vêm do outrora e vão indiferentes
    Ao encontro de mares e de luas.

    Precisa-se no espírito como um fruto
    Maduro enfim, perfeito e saboroso,
    O conceito, a figura da poesia.
    Sobre a pele esverdeada manchas negras,
    Que perfume de seios e de alfombras!

    Eis a vida! – Soluço de alegria
    Perdido na ambição da eternindade.
    Agora sei que é vida essa poesia
    Que vesti de violáceos desesperos.
    Cantos de escravo, sons de sinos mortos,
    Mares, sombras de Junho, ermos,
    E longos, lacrimosos caminhos!
    Agora sei que é vida
    Essa poesia, que os perfumes de amadas
    Impossíveis, de lutuosos e tristes desesperos
    Fizeram desmaiada em verde tempo.
    Agora sei! Mas é tão tarde!
    Tarde não mais apenas nas palavras,
    Tarde porque desfaz-se em pó
    Esta matéria, vaso que conteve
    O ser e sua música olorosa!
    Espírito da vida, agora é tarde!
    Mas respiro e ainda sinto as forças nuas,
    Plasmando as formas, dominando tudo.
    Sinto, mas já não estou, não sou senão
    Conhecimento e lúcida memória.

    Poetas dos tempos novos!
    Simples é, como a lua nua
    E livre de nuvens,
    A poesia!

    Simples é o amor, e não soturno
    E curvo como o enfermo poeta
    O canta na turbada adolescência.

    Simples, e tão mais simples
    Quanto puro é o canto.
    Vôo de asas nos céus quentes!

    Poetas novos, dissipam-se os assombros:
    Nasce a poesia, enfim.
    Mas nasce tarde, a dor viveu
    Longamente demais na alma enganada.
    Era dor de palavras.
    Dor é agora, esta que sinto
    Vendo em flor o mundo,
    Vendo as formas gentis
    E a ordem nascendo
    Dos tumultos e inúteis agonias.

    Dor é esta que fere
    E guardo; e apenas a essência aqui formando,
    E bem de longe,
    O sol macio corta as árvores,
    Pássaros cantam, e a noite,
    Com traiçoeiros meneios muito longe
    Ainda, sua marcha e conquista mal começa.

    Dor é esta, é saber
    Que ás estrelas futuras e distantes
    Nenhum apelo chegará jamais!

     

    Um século de poesia Antologia – Augusto Frederico Schmidt
    Seleção e organização Letícia Mey, Euda Alvim
    Editora Globo