A geopolítica e as fontes energéticas
A geopolítica mundial atual, além de outros fatores, tem apresentado como característica uma relativa multipolaridade, em que pólos de crescimento contra-hegemônicos vêm influenciando o ritmo das atividades econômicas sobre o planeta. E nesse cenário, a disputa pela base material energética é um dos aspectos que mais tem impulsionado o quadro político mundial de instabilidade e conflitos.
Dessa forma – e cada vez mais em perspectiva, já que o petróleo é escasso e finito –, o controle de fontes energéticas por parte dos novos pólos emergentes torna-se a principal garantia de consolidação dos Estados nacionais soberanos, sobretudo ao fortalecê-los como contratendências ao hegemonismo norte-americano.
O mundo está sedento por mais energia
As atividades econômicas em todo o mundo, ao manter como matriz energética prevalecente as fontes não-renováveis, e com forte preponderância do petróleo (ver figura 2), impõem aos países um grande desafio por novas descobertas. A busca pelo seu domínio tem provocado inúmeros enfrentamentos bélicos patrocinados pelo dependente império estadunidense.
Ao mesmo tempo em que se intensifica a agonia em torno das fontes não-renováveis, cresce no mundo a corrida por fontes alternativas – as renováveis –, buscando fugir da dependência fóssil. Essa nova diretriz impõe-se em função da luta contra escassez, mas também motivada pelo positivo e crescente movimento de conscientização dos povos pela preservação ambiental do planeta, reafirmando-se atualmente como uma bandeira internacional do pensamento progressista mundial.
A disputa geopolítica hoje estabelecida no mundo e o conseqüente ritmo de suas atividades econômicas vão determinando de forma mais nítida que o domínio sobre as fontes energéticas é parte integrante da agenda da segurança econômica e nacional, e como tal, deve ser conduzida como política de Estado, relativizando, portanto, que devam ser tratadas como meras commodities. O Brasil é fonte da energia renovável e tem reservas não-renováveis
A localização geográfica do Brasil o coloca como um dos maiores retentores da maior fonte natural energética do planeta, o sol. Seu clima e sua grande disponibilidade de terra e água o vocaciona a tornar-se o grande produtor e dominador técnico-científico da produção de energia renovável.
As reservas de petróleo e gás do País – atualmente em 14 bilhões de barris de petróleo – devem acrescer-se de algo em torno de 40% a 60% com a recente descoberta fronteiriça da maior província petrolífera do Brasil, que se estende pelas Bacias de Espírito Santo, Campos e Santos. A isto deve se somar algo em torno de 350 bilhões de m3 de gás – o que pode constituir patamar de relativo conforto também nas fontes não renováveis.
Observando a figura 2, comprovamos a realidade desse potencial, sobretudo na condição do País de diversificar, de forma sustentável, as fontes da configuração atual de sua matriz energética.
Atualmente esse patrimônio leva o Brasil a constituir-se como a grande potência energética no mundo, se credenciando como país de ponta na produção energética a partir da biomassa.
Os não-renováveis
Conforme a figura 1, o Brasil ainda está dependente de forma preponderante das fontes não-renováveis, pois 55,30% da matriz nacional advêm delas, e em especial do petróleo. Mesmo assim, este é um percentual menor em comparação ao quadro mundial.
As reservas brasileiras de petróleo e gás, acima citadas, devem nos colocar, em breve, na condição de grande produtor mundial de petróleo. Uma conquista que, ao propiciar relativa auto-suficiência, deverá permitir a expansão da capacidade produtiva e impulsionar o desenvolvimento nacional, atuando como indutora de nossa economia.
A fragilidade atual do Brasil está em sua incapacidade momentânea de atender a todas as demandas de gás. A participação do gás natural na oferta interna de energia era de 7,7% em 2003, devendo chegar a 15% em 2015, respondendo a uma elevação de demanda que cresce a 10% a.a. nos últimos anos.
Esse ritmo obedece a uma diversificação necessária em nossa matriz energética no campo dos fósseis menos poluentes, mas, sobretudo, origina-se na crise energética produzida pela era FHC em 2001, com o “apagão”. A gestão neoliberal conduziu um ambicioso e escuso projeto de geração de energia a partir do gás natural, no qual estimulou a construção de duas dezenas de térmicas. Hoje, contamos com um parque de 26 (o projeto original de FHC era de 49), e isso nos levou ao aumento do consumo do gás natural em 67%, entre 2000 e 2003. O governo neoliberal exigiu que a modalidade contratual adotada pela Petrobras para aqueles empreendimentos garantisse o pagamento mensal, mesmo quando essas térmicas não funcionassem. Foi um prejuízo aos cofres da empresa em torno de U$ 1,5 bilhão, obrigando a estatal a parar com essa sangria e tornar-se majoritária no negócio.
Em estudo recente, contabilizou-se que se as 26 usinas forem acionadas simultaneamente, consumiriam 46 milhões de m3/dia de gás natural. Sem essas usinas, o Brasil consome hoje 34 milhões de m3/dia.
Outra fragilidade estratégica decorrente da política anterior foi a dependência exclusiva de uma única fonte abastecedora: a Bolívia. Interesses “não republicanos” na construção do gasoduto Brasil-Bolívia contribuíram para essa decisão.
Objetivando a superação dessa situação, o atual governo, através da Petrobras, constituiu o PLANGAS (Programa de Antecipação de Produção de Gás Nacional), que prevê bilhões de dólares em investimentos estratégicos. A recém descoberta em Santos tende também, em médio prazo, a corrigir a atual desproporção entre o consumo e a oferta.
O petróleo e seus marcos regulatórios
Na figura 1, a constatação de que o emprego de 86,7% das fontes não-renováveis pelo mundo e, destes, 56,20% advêm de petróleo e gás – e no Brasil, essas mesmas fontes correspondem a 47,7% dos 55,30% dos não-renováveis – nos obriga a analisar o controle e o domínio desses bens finitos com maior rigor.
O recente anúncio da aferição, somente na acumulação de Tupi, dentro da maior província petrolífera descoberta no Brasil, além de elevar o tamanho de nossas reservas, consolida no mundo a capacidade técnico-científica de nosso país, pois até hoje somente a Petrobras conseguiu atravessar uma camada de sal com 2000m, chegando a uma nova fronteira exploratória: a camada geológica denominada pré-sal.
Nossas reservas de 14 bilhões de barris estão quase totalmente situadas acima (camada pós-sal). A extensão da camada do pré-sal descoberta parte do estado do Espírito Santo até o de Santa Catarina, com uma extensão de 800 km e uma largura de 200 km.
Decorrente desse acontecimento, acrescente-se aos ganhos técnico-científico-geológicos – por si só já imensos –, a oportunidade de pautar, em um outro patamar, o debate sobre o marco regulatório das atividades petrolíferas no Brasil.Para mim , através de dados aqui já revelados, o debate não deveria se desenvolver somente percorrendo a história dessa atividade no Brasil e/ou no mundo, ou a luz apenas de seu ritmo e da sua pujança produtiva atual. Considero central para quem recai o controle e o domínio dessa fonte esgotável, que ainda faz o mundo dele depender para poder funcionar.
Dessa forma, não considero o petróleo uma simples mercadoria, mas uma fonte estratégica sobre a qual o Estado deve exercer forte controle e domínio. As modificações ocorridas em suas legislações obedeceram mais a uma correlação de força desfavorável em favor dessa concepção (embora hoje já em recuperação na América Latina), do que a uma alteração conceitual de que o petróleo não exerça mais a centralidade econômica para a consolidação das nações soberanas. Limitação financeira para investimento e dependência tecnológica específica influenciam também algumas flexões.
Não devemos correr riscos sobre o controle de nossas reservas energéticas, sobretudo as não-renováveis. Imaginem o impacto que teríamos caso a província recém descoberta pela Petrobras tivesse sido leiloada e repassada ao controle estrangeiro. Para mi, esta é a hora para uma grande reflexão coletiva.
O Brasil e as fontes renováveis: vocação pela biomassa
Conforme se pode verificar na figura 2, nosso país emprega 44,7% de fontes renováveis em sua matriz energética. Esse valor nos coloca em posição diferenciada, quantitativa e qualitativamente, no panorama mundial. Com a crise energética já vislumbrada pelo mundo, os olhares – inclusive dos países desenvolvidos – voltam-se para esse enorme potencial natural brasileiro.
Nosso parque hidráulico, mesmo influenciado pela sazonalidade, nos dá grande segurança na obtenção de energia barata e limpa. Ainda nessa modalidade, com previsão de crescimento no mercado mundial a uma taxa de 15% ao ano, contamos até mesmo com o potencial de desenvolvimento da energia eólica que, por intermédio da Petrobras, possui um projeto-piloto na cidade de Macau-RN, além do grupo Neo Energia, que já explora comercialmente, também no estado potiguar, essa fonte alternativa.
Os recentes anúncios de investimentos previstos no PAC também, corretamente, vêm na direção de fomentar a participação da fonte nuclear em nossa matriz energética, buscando posicionar o país nos patamares do padrão internacional. Mas é na produção de biocombustíveis que reside nossa maior potencialidade alternativa aos insumos não-renováveis, colocando o país, em perspectiva, como grande produtor e exportador, além de seu domínio tecnológico.
O Pró-álcool é um programa brasileiro de sucesso que utiliza matéria-prima, tecnologia, equipamentos e infra-estrutura totalmente nacionais, e que fez do Brasil um pioneiro em retirar o chumbo da gasolina. Essa primazia está atraindo interesses internacionais, pois além de o país ser o maior produtor mundial, tem as melhores condições para sua manutenção e ampliação. Não por acaso, os Estados Unidos buscaram parceria para tentar interferir nesse processo.
Por meio da Petrobras, o país já entra na segunda geração de biocombustíveis: o bioetanol. Este programa, desenvolvido na unidade experimental do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (CENPES), produz o etanol a partir de resíduos agroindustriais, utilizando bagaço de cana-de-açúcar, por ser o resíduo agroindustrial mais expressivo no país.
Já o biodiesel é um dos programas com maior potencial pela capacidade de inclusão social, além de sua importante contribuição à diversificação de nossa matriz energética e ao impulsionamento da atividade econômica em regiões menos desenvolvidas.
Logo após o anúncio sobre a acumulação petrolífera de Tupi, o presidente Lula reafirmou sua firme determinação em prosseguir investindo no biodiesel. Já temos 40 usinas produzindo 1,640 bilhões de litros de biodiesel por ano, 21 unidades em processo de autorização e mais seis usinas em construção.
Os programas de biocombustíveis em desenvolvimento no Brasil colocam o país em condições de integrar-se de forma soberana no seleto grupo de nações que também já investem pesadamente nessa fonte energética alternativa. Estados Unidos, China e União Européia preparam-se para, em curto prazo, utilizar, em proporções consideráveis, os biocombustíveis como insumo em seus próprios meios de transportes.
Quem dirige e quem controla
Diante da crise que o mundo atravessa, decorrente em grande parte da escassez de insumos energéticos, o Brasil, com seu enorme potencial de recursos naturais, além de suas reservas de não-renováveis, é um grande emergente que precisa exercer um forte protagonismo na disputa pelas fontes alternativas renováveis no mundo.
Concluo, afirmando precisarmos garantir a manutenção da rota percorrida pelo Brasil, mas não como simples política de governo. Mais do que isso. Precisamos assegurar que esses programas e projetos sejam elevados à categoria de contínua política de Estado.
Nesse sentido, a execução de tal política não deveria ficar restrita a uma diretoria de uma empresa estatal que necessita de reformulação ou a eventuais parcerias. É necessário que o Comitê Nacional de Política Energética (CNPE) rediscuta a estrutura atual da Petrobras e fortaleça o seu sistema, colocando-o em condições de desenvolver, em patamar mais elevado, a luta estratégica por fontes energéticas renováveis.
Fontes:
PETROBRAS
Resoluções do 2º seminário FUP/Petrobras.
Ministério das Minas e Energia.
Revista Princípios, artigos de Haroldo Lima e Dilermando Toni.
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José Divanilton Pereira Silva, dirigente sindical da Federação Única dos Petroleiros e do Sindicato dos Petroleiros do RN, membro do comitê central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
EDIÇÃO 93, DEZ/JAN, 2007-2008, PÁGINAS 70, 71, 72, 73