Edvar Bonotto: breve e intensa vida em prol do socialismo
Filho de Mário Bonotto e Edith Anita Peruchi, descendentes de imigrantes italianos, Edvar Luiz Bonotto era o caçula de 9 irmãos. Nasceu em 27 de novembro de 1964, no município gaúcho de Serafina Correia, mas sua infância e parte da juventude se passaram em Chapecó, principal município do oeste de Santa Catarina. A saga de sua família camponesa foi de muito trabalho e grandes dificuldades, mas ao final vitoriosa. Desde cedo, ele destacou-se nos estudos, sendo por várias vezes o primeiro da turma. Aos dezesseis, dezessete anos, já lecionava em escolas da região.
Em 1982, instala-se em Florianópolis para iniciar sua formação universitária. Na Federal de Santa Catarina, estuda Física, todavia sem concluir o curso. Nesse período, com cerca de vinte anos se torna um ativista do movimento estudantil e se filia ao Partido Comunista do Brasil, PCdoB. Sua origem humilde, seu próprio testemunho da fibra e do sofrimento dos pobres do campo, seu encanto pela ciência, o levaram a abraçar a bandeira do socialismo.
Em 1983, volta para Chapecó, trazendo na bagagem livros marxistas e documentos e jornais do Partido. Tinha uma missão a cumprir: fundar o Partido na região. A tarefa foi realizada com êxito e entusiasmo. Junto com seus companheiros e companheiras, fortalece o movimento estudantil universitário e secundarista da cidade. É eleito presidente do Diretório Central dos Estudantes, da Fundest, hoje, Universidade de Chapecó, matriculado no curso de Pedagogia. Um barracão nos fundos da casa dos pais é transformado na sede oficiosa do Partido. A família Bonotto, a começar de seu pai e de sua mãe, lhe dá apoio e cobertura. Jovens lá se reuniam para estudar, debater teoria e traçar os planos de ação política. Aqui, já aparece a marca da militância de Edvar: estudo e ação, ciência e revolução.Em Chapecó, a tarefa é cumprida. A terra recebeu bem a semeadura e o Partido cresceu com solidez. (Atualmente, o PCdoB é forte no município, tem presença em vários setores da sociedade e no movimento social e tem dois vereadores na Câmara Municipal.)
Dever cumprido, em 1987 ele muda-se para a capital do Maranhão, São Luiz. Lá, gradua-se em Direito pela Universidade Federal. Tem intensa participação no movimento estudantil e ajuda a fortalecer o Partido. Nesse período, faz o Curso Panorâmico, de 30 dias, da Escola Nacional de Formação do PCdoB, em Brasília.
Nesse tempo, ele participa e ajuda a criar movimentos e entidades que viriam a se constituir no embrião da atuação do Partido junto à jovem intelectualidade e, em particular, aos pós-graduandos: Centro de Estudos Honestino Guimarães; movimentos de Jovens Cientistas na SBPC; e Associação Nacional de Pós-Graduandos, esta última em conjunto com o também saudoso José Augusto Mochel.
Em 1993, ele transfere-se para a cidade de São Paulo com o objetivo de dar seqüência aos seus planos de formação intelectual e acadêmica. Vincula-se de pronto à estrutura do Partido, atuando no distrital do Centro. Em 1996, conclui o mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, com a dissertação: Lógica e dialética – Ensaio Exploratório em ideologia Jurídica.
Em 1997, passa a integrar a Comissão Editorial da revista Princípios e assume a secretaria de redação dessa publicação teórica e política fundada e dirigida à época por João Amazonas e editada por Olival Freire. Atua, também, na Comissão Editorial do jornal A Classe Operária. Participa como organizador na publicação de vários livros, entre eles, Os desafios do Socialismo no Século XXI, de João Amazonas. Integrou, ainda, a comissão de redação da história do PCdoB. Em 1998, inicia o doutorado em Direito, também pela PUC-SP. Em 2003 obtém o título de doutor em Direito com a tese: A possibilidade de desenvolvimento do Estado nacional e os direitos fundamentais.
Desde 2002, Edvar era membro da Comissão de Formação e Propaganda do Comitê Central do PCdoB, nos anos anteriores fez parte da Comissão de Comunicação. Atualmente, ele exercia a seguintes funções: diretor Administrativo e Financeiro do Instituto Maurício Grabois; membro da Comissão Editorial e secretário de redação da revista Princípios e professor da Escola Nacional de Formação do PcdoB.
Sua vida curta impediu seu florescimento por inteiro, todavia foi uma existência breve e intensa, com importantes contribuições à luta do povo brasileiro, à causa nacional e, sobretudo, ao PCdoB e ao socialismo, bandeiras abraçadas na juventude e às quais dedicou seu talento, sua inteligência, sua competência, sua vida.
Adalberto Monteiro
Presidente do Instituto Maurício Grabois e membro do
Secretariado do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
BOX: O comunista Edvar Bonotto
Quando Edvar Bonotto chegou a São Paulo, em meados da década de 1990, imediatamente procurou os editores da revista Princípios com a firme intenção de juntar-se à (pequena) equipe responsável pela elaboração da revista teórica e de informação do Partido Comunista do Brasil.
Era então um jovem advogado, recém-formado. Quem o conheceu naquela época pode perceber duas características marcantes daquele rapaz que procurava o Partido com uma enorme disposição de aprender a árdua tarefa de produzir e publicar textos.
A primeira delas a sua firme dedicação ao Partido. Enfrentava, com humor elevado e ânimo firme, todas as tarefas a ele atribuídas. Como bom comunista, sempre foi muito franco e, nas discussões entre os camaradas, defendia com firmeza e delicadeza sua opinião. Muitas vezes, de forma obstinada. Mas, depois que o coletivo chegava a uma conclusão, elas passavam a ser as teses defendidas por Edvar, mesmo que contrariassem aquelas que, antes, havia defendido com denodo. Era a manifestação, na prática, do espírito de partido que, nele, era muito vivo.
A outra característica que já podia ser percebida desde os primeiros tempos em que Edvar chegou a São Paulo era sua enorme curiosidade intelectual. Confirmando o lema que Marx costumava repetir, nada do que era humano lhe era estranho. A formação jurídica já apontava o interesse por um grande campo marcado pela luta pelos direitos e pela justiça. Mas Edvar ia além e era comum vê-lo às voltas com a psicologia dialética do soviético Vigotsky, quase uma paixão para ele. Ou pelos áridos caminhos da filosofia e da ciência contemporânea. Seus interesses iam desde a geografia (e ele prezava a amizade com os professores Aziz Ab'Saber e o falecido Milton Santos); a teoria do caos e os meandros da matemática (e, aqui, foi um discípulo de Newton Costa); a leitura e a tentativa de compreensão de nossa história econômica, a partir da leitura de um autor como Ignácio Rangel; as dificuldades da física, que faziam parte de suas leituras; ou os meandros da dialética, que buscava compreender em profundidade indo direto à fonte enfrentando das dificuldades da leitura de Hegel aos finos comentários de Lênin.
Este era o mundo de Edvar – o partido e o estudo da teoria. E que, na prática, traduziam-se no trabalho consciencioso, metódico, eficaz, que realizou. Tendo-se juntado à equipe de Princípios, logo tornou-se o secretário de redação da revista, passo importante numa trajetória dentro do Partido que o levou a tornar-se membro ativo da Comissão Nacional de Formação e Propaganda, do quadro de diretores do Instituto Maurício Grabois e militante e professor da Escola Nacional do PCdoB. Tudo isso entremeado com outras tarefas, que iam desde o trabalho de revisão (meticulosa) do jornal A Classe Operária, a que se dedicou durante largo tempo; à leitura prévia dos textos enviados pelos colunistas do Vermelho para publicação no diário eletrônico dos comunistas, até a participação na organização dos cursos da Escola Nacional e de seminários e outros encontros semelhantes organizados pelo partido.
Os dirigentes comunistas que puderam visitar a família de Edvar Bonotto, nas circunstâncias tristes do encerramento de sua vida, puderam compreender melhor aquelas características já conhecidas daqueles que conviveram com ele.
O carinho, emoção e tristeza de seus familiares e de seus amigos na cidade catarinense de Chapecó demonstraram as raízes de uma ação comunista que vinha desde o final da década de 1970. Ainda muito jovem, Edvar foi um ativo militante de grupos de jovens da igreja católica daquele município e, nesta condição, tornou-se comunista, sendo o principal impulsionador da fundação do PCdoB nesse município do oeste de Santa Catarina. As reuniões que levaram à organização partidária local foram realizadas nos fundos da casa em que residia com sua família, com pleno apoio dos pais e irmãos que, muito católicos, viam com naturalidade a afirmação dos valores humanísticos e socialistas que, em sua visão de trabalhadores, não colidiam com a ética a que estavam acostumados, baseada numa leitura progressista do Evangelho.
Um partido como o PCdoB é construído assim, reunindo lideranças populares, atraindo trabalhadores, organizando a vontade coletiva daqueles que lutam por um mundo justo e progressista. Edvar Bonotto foi um desses lutadores. Deixou a vida no auge de sua existência, aos 42 anos de idade, uma época que, na vida, é plena de promessas de realizações. Mas não foi autor de uma obra inacabada: deixou a marca de seu esforço pela construção do partido e da busca pelo socialismo, num período extremamente adverso como foram as décadas atuais, marcadas pelo conservadorismo, pelo individualismo e pela descrença generalizada em projetos avançados. Ele foi um dos que, pelo que escreveu e ensinou, e pelo duro trabalho que enfrentou, foi um dos heróis da resistência. Vai fazer muita falta para seus camaradas!
A Comissão Editorial de Princípios:
Adalberto Monteiro
Augusto Buonicore
José Carlos Ruy
Pedro de Oliveira
Sérgio Barroso
EDIÇÃO 93, DEZ/JAN, 2007-2008, PÁGINAS 77, 78, 79