A prata na rede
(memória de um filho de pescador)
Torço a língua de um tempo
limitado pela manhã
sou apenas o ritmo de um repente
seco feito o curso de uma jangada
sem vento
sem nada
torço a vida numa palavra
sorte
repetida que ouvi pequeno
pescada, prata que não tive
em nenhuma noite
não me lembro
de nenhuma rede pesada.
Qual figura dar ao medo
se o nervoso irrompe todo por dentro?
E se todo medo tem metro só na quietude
como mantê-lo quieto entre os dentes?
O maior amor tem
no fundo um bem:
um dó de não ter
de vez por inteiro
o tempo
que ao lume mantém
sempre aceso.
Por quem?
Versos Ilegais – Ricardo Albuquerque
Águas Brasileiras Editora – edição 2001