Um sistema tributário distribui o ônus do financiamento do Estado. No Brasil, isso significa também como repartir as receitas entre o governo federal e os outros en¬tes subnacionais: Estado e municípios. Falar em re¬forma tributária é falar em mudar, transferir o ônus vigente e alterar a repartição dessa receita entre a União e os demais entes subnacionais. É mexer em muitos interesses. Especialmente no Brasil, por ser organizado em uma estrutura federada em três ní¬veis que dividem muitas responsabilidades entre si, de forma concorrente, e onde o sistema tributário é matéria constitucional.

Por essa razão, todos são a favor de uma refor¬ma, mas cada setor, grupo social ou região tem sua própria solução. São muitas as clivagens em que se dividem a sociedade e as regiões nessa matéria. E a necessidade de dar status de matéria constitucional a toda e qualquer mudança denota a profunda des¬confiança, mútua, entre as partes envolvidas. Boa parte dessa desconfiança tem por base a facilidade com que se fazem – e se desfazem – as maiorias par¬lamentares. Daí a dificuldade de se conformar uma maioria parlamentar nas duas Casas do Congresso que viabilize uma reforma ampla e coerente, seja lá quais forem seus beneficiários ou prejudicados.

Este artigo pretende mostrar as razões que tor¬nam necessária uma reforma tributária democrática, adiantando sugestões das mudanças fundamentais. Também pretendemos discutir quais as principais clivagens em que se dividem os interesses da socie¬dade e dos governos das três esferas da Federação.

A evolução recente do sistema tributário

Até a República Velha, o Estado foi financiado principalmente por impostos sobre as importações, o que dava poder ao setor exportador que determi¬nava a capacidade de importar. Com a construção de um mercado nacional a partir da Revolução de Trinta, paulatinamente esse financiamento foi sendo transfe¬rido para os impostos sobre a circulação e a produção de riqueza, permanecendo residuais as receitas decor¬rentes das importações e do patrimônio e renda.

Só a partir da reforma tributária e fiscal de 1967 do Regime Militar, os tributos sobre patrimônio e renda passaram a ter participação significativa, mas os impostos indiretos permaneceram dominantes. No entanto, pela primeira vez, esses impostos deixaram de ser cobrados em cascata e passaram a ser calculados pelo valor adicionado (o chamado IVA), o que permite saber quanto o consumidor está a pa¬gar ao final da cadeia produtiva e de distribuição. Foi quando apareceu o ICM (assim, ainda sem o S de serviços) estadual, o IPI federal (Imposto sobre Produtos Industrializados) e o ISS (Imposto sobre Serviços) dos municípios.

O Regime Militar, centralizando o poder na União, normatizou e restringiu a capacidade tributária dos Estados e Municípios, padronizando seus impostos. O predomínio político de estados grandes produtores – como São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul – no jogo federativo determinou a cobrança do ICM na origem, dando-lhes maior poder de autofinanciamento, em detrimento dos estados mais atrasados, predominan¬temente consumidores. Mesmo sob a ditadura, esse arranjo centralizador da Constituição de 1967, bené¬fico aos estados ricos, só foi possível porque a União bancou um mecanismo de compensação, redistribuin¬do parte do seu imposto de renda e do IPI por meio de mecanismos conhecidos como FPE (Fundo de Par¬ticipação dos Estados) e FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Também o Imposto Territorial Rural foi federalizado, mas sua receita passou a ser dividida com os municípios, além de manter a mesma baixa arrecadação de antes, quando era estadual.

A distribuição da carga tributária entre a União e os entes subnacionais variou ao longo do século passa¬do, mas com uma tendência clara de concentração da arrecadação e da receita no governo federal. A Tabela 1 mostra a variação dessa distribuição, com períodos mais democráticos, tendendo à desconcentração, e períodos autoritários – inclusive o recente neoliberal – com tendência à concentração do sistema tributário.

Essa estrutura tributária foi herdada pela Nova República. A Constituinte de 1987-88 introduziu melhorias, mas o sistema permaneceu com sua es¬trutura praticamente inalterada e assim perdura, basicamente, até hoje. A grande alteração feita a ela foi a destinação de mais recursos para os estados e municípios. Alguns novos impostos, como o IPVA, foram acrescentados, e os fundos de participação foram ampliados. Estabeleceu-se que todo novo im¬posto a ser criado teria de destinar um quarto de sua receita aos entes subnacionais. O imposto de renda continuou sendo aperfeiçoado e aumentou sua par¬ticipação na receita total.

Assim, a Constituição de 1988 desenhou um sis¬tema tributário que dava ênfase relativa à tributa¬ção direta e desconcentrava regionalmente a receita, tanto pelos impostos subnacionais como pela parti¬ção da arrecadação dos federais.

O governo FHC: concentração tributária e elevação da carga

A partir de 1994 e durante os dois governos Fernando Henrique Cardoso (FHC), um grande número de mudanças constitucionais aumentou significativamente a carga tributária e reconcen¬trou a arrecadação no governo federal. A impossi¬bilidade de ter uma maioria confiável para realizar uma reforma tributária global fez com que todas as mudanças tenham sido pontuais, feitas ad hoc para elevar a receita do governo federal, tanto pa¬ra compensar as perdas dos ganhos inflacionários existentes até 1994 como, principalmente, para suportar o crescimento explosivo da dívida pública. Em meio à estagnação econômica e a aflições fis¬cais várias “contribuições sociais” foram criadas, in¬cidindo sobre o faturamento (Cofins e CIDE) e sobre o lucro (CSLL) já tributados pelos impostos existen¬tes, ou sobre a movimentação financeira (a agora ex¬tinta CPMF) e ainda majorando outras preexisten¬tes, como o PIS. E pior: todas as novas contribuições incidem cumulativamente e não sobre o valor adi¬cionado, como o ICMS. Ao centrar as inovações nas contribuições sociais, o intuito era abocanhar a nova arrecadação apenas para o governo federal, sem dis¬tribuí-la com estados e municípios.

As novas contribuições além de piorarem a re¬gressividade da carga tributária por incidirem sobre os consumidores finais, trouxeram de volta a cobran¬ça cumulativa, “em cascata”, distorcendo o sistema e dificultando o cálculo tributário. Ao mesmo tempo, não significaram, a princípio, nenhum ganho líqui¬do de recursos para as áreas a que eram destinadas, como a Seguridade Social, por exemplo, pois apenas substituíram os recursos dos impostos que antes as financiavam, e passaram a ficar disponíveis no Te¬souro Nacional. Esses recursos agora disponíveis foram destinados prioritariamente para fazer supe¬rávit na tentativa infrutífera de controlar a explosão da dívida pública criada pelos juros altos da política monetária de estabilização, baseada na ancoragem cambial do Real ao dólar.

De fato, foram os custos dessa política monetá¬ria que fizeram o endividamento público explodir (ver Gráfico 2). Enquanto a despesa pública federal se manteve estável, no segundo governo, o governo FHC, seguindo a receita do FMI, destinou parte im¬portante das receitas ao superávit primário, na ten¬tativa de compensar o endividamento brutal e man¬ter o valor dos títulos da dívida federal.
Depois da mixórdia das reformas tucanas (40 emendas constitucionais em oito anos e dezenas de Medidas Provisórias regulamentando-as), do endivi¬damento público explosivo e da “guerra fiscal” o sis¬tema tributário transformou-se de um sistema ruim em um verdadeiro monstrengo.

A regressividade do sistema tributário e a concentração da arrecadação na União

O Brasil tem uma das mais altas cargas tributá¬ria sobre o consumo. Em 2006, 57,9% dos tributos federais (impostos e contribuições) provieram do consumo e 42,1%, da renda. Se juntarmos estados e municípios, a parcela de indiretos fica ainda maior. Países da OCDE apresentam uma estrutura tributá¬ria inversa: os impostos sobre o consumo, em média, representam 32,1%; o imposto sobre a renda, 35,4% (o restante), vem do patrimônio.

Quando os impostos são indiretos incidem sobre o consumidor final, com os mais pobres consumin¬do 100% – ou quase – de sua renda. Eles pagam re¬lativamente mais impostos que os ricos. No Brasil, quem ganha até dois salários mínimos gasta 26% de sua renda no pagamento de tributos indiretos, enquanto o peso da carga tributária para as famílias com renda superior a 30 salários mínimos corres¬ponde apenas a 7%.

Até nosso imposto de renda tem baixa progressi¬vidade: só há duas faixas de rendimento e seu piso inicial de contribuição é muito baixo. O pequeno va¬lor das deduções e o privilégio da tributação dos ren¬dimentos de capital também reduzem a progressivi¬dade. A renda do trabalho é desproporcionalmente tributada frente à do capital: um terço do imposto de renda de 2006 veio do trabalho.

Os impostos sobre a propriedade são muito bai¬xos, e uma administração tributária frágil acaba agravando o problema. O péssimo desempenho de arrecadação do ITR (Imposto Territorial Rural) é um exemplo de que, no Brasil, não se tributa os ricos e seu patrimônio. Apesar da grande concentração de terra, o ITR sempre teve uma arrecadação insignifi¬cante; em 2006, representou apenas 0,1% da receita de impostos e contribuições federais, embora a base tributável abranja milhões de quilômetros quadra¬dos de propriedade agrícola.

A irracionalidade da carga tributária e o peso da dívida pública – em meio ao mais longo período de estagnação econômica – criaram uma situação fiscal de difícil solução. O pacto federativo foi es¬garçado pela “guerra fiscal”, e a tributação indireta e em cascata faz os pobres pagarem cada vez mais pela administração pública e pelo ônus da política monetária e cambial.

O problema federativo: um fator estrutural do impasse tributário

Outra questão de fundo que agravou o proble¬ma tributário foi o lento – mas contínuo – processo de mudança na posição econômica relativa entre os estados federados. Estados mais ricos como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul perderam importân¬cia relativa, enquanto outros passaram a crescer acima da média nacional, inclusive pela concessão de isenções a novos investimentos para ganhar base tributária.

A Tabela 2 ilustra no período de duas décadas (1985-2005) o deslocamen¬to produtivo relativo entre as regiões e também o descompasso entre o com¬portamento do PIB regional no PIB nacional e sua respectiva participação na arrecadação do ICMS to¬tal. Há regiões e estados onde as duas participações crescem (Centro-Oeste, DF e MT) ou decrescem em sintonia (Sudoeste, SP), mas em outros a partici¬pação relativa no ICMS nacional continua a crescer mesmo quando decresce sua parte no PIB nacional (BA e PA).

Esse fenômeno de longo prazo de deslocamento relativo das economias estaduais e das respectivas arrecadações de ICMS tensiona a estrutura tribu¬tária e as relações federativas. Por ser um imposto cobrado na origem e destinar, nas operações inte¬restaduais, a maior parcela arrecadada para o es¬tado produtor, o ICMS atual incentiva os estados a disputarem investimentos produtivos entre si, ex¬plorando suas vantagens naturais ou mão-de-obra mais barata e concedendo isenções fiscais.

Graças à cobrança na origem, mes¬mo quando um estado con¬cede isenção de ICMS sobre um empreendimento ele pode ter ganhos imediatos, já que deixa de perder ren¬da interna pagando a outro estado produtor parte do ICMS do que consumiria e, ao mesmo tempo, pode receber parte deste ICMS quando o exporta para ou¬tro ente federado.

Esse processo deu ori¬gem à conhecida “guerra fiscal”, que vem, desde en¬tão, estressando as relações entre os estados. Essa mudança na posição relativa dos entes federados e a política fiscal de disputa de investimentos produti¬vos têm se constituído, ao mesmo tempo, no maior incentivo à reforma tributária e também no principal obstáculo a sua realização. Embora todos os entes te¬nham interesse em adaptar o ICMS à nova realidade de deslocamento e desconcentração produtiva, todos também temem que a mudança acabe por prejudi¬cá-los. O ICMS é um jogo de soma zero, qualquer mudança de regras implica, pelo menos em curto e médio prazo, os ganhos de alguns se transformarem em perdas de outros.

A reforma tributária: a possível e a necessária

Assim, a reforma tributária passou a ser um con¬senso nacional – mas cada um tem a sua. Não se consegue construir um consenso, nem quanto à dis¬tribuição entre pobres e ricos nem quanto às diversas regiões do país. Mesmo em algumas regiões, como a Norte, os interesses divergem, pois ao Amazonas que, graças à Zona Franca é um grande exportador interno, interessa a cobrança do ICMS na origem, enquanto os demais estados – liquidamente con¬sumidores – defendem a cobrança no destino. Por outro lado, as classes dominantes não pretendem abrir-mão de seu privilégio tributário de pagar pouco ou nada de imposto de renda e de imposto sobre a propriedade – em especial o imposto sobre herança e sobre imóvel rural.

Como vimos, todas as tentativas de reforma tri¬butária feitas até agora resultaram apenas em mu¬danças pontuais. Na primeira tentativa do governo Lula, em 2003-04, além da prorrogação da CPMF e da Desvinculação da Receita da União (DRU), só se avançou na opção de não-cumulatividade da Cofins. Mesmo assim, muito pouco, pois para vários setores importantes foi mantida a regra cumulativa anterior, e a regulamentação da Lei acabou por aumentar a arrecadação, elevando a carga tributária.

O governo Lula vem tentando levar à frente uma reforma, mas não é fácil mudar o monstrengo her¬dado das reformas neoliberais tucanas e da longa crise de estagnação que viveu o Brasil nos anos 1990. Mesmo assim, o foco do seu esforço vem sendo di¬recionado basicamente pa¬ra o fim da “guerra fiscal” – ou seja, o ICMS dos es¬tados – e não para o cerne regressivo e concentrador do sistema tributário.

A derrota na prorroga¬ção da CPMF ilustra bem a resistência dos mais ri¬cos em bancar o financia¬mento estatal. Apesar de ser um tributo regressivo e cobrado em cascata, sua apropriação aos preços não era fácil, pois não incidia diretamente sobre o faturamento como os demais. O que fazia com que parte significativa dela acabasse bancada pe¬los mais ricos, donos de grandes movimentações financeiras. E pior, a partir de 2001, as informações da CPMF puderam ser utilizadas pela Receita Fede¬ral para fiscalizar o imposto de renda, coibindo, de forma notável, a sonegação e a lavagem de dinhei¬ro, operando como um verdadeiro filtro contra os chamados “laranjas”.

Por essas razões, o governo enfrentou uma pode¬rosa coalizão dos mais ricos e da grande mídia, que acabou conquistando a classe média ao discurso con¬servador e hipócrita, derrubando a CPMF. Uma perda fiscal e política importante, provavelmente a maior derrota política do governo Lula, com graves conse¬qüências para a manutenção e a expansão dos servi¬ços públicos, pelo menos nos próximos dois anos.

A proposta que vem sendo gestada, neste mo¬mento, no Ministério da Fazenda, provavelmente, deve se manter limitada basicamente à unificação das regras do ICMS. Mesmo assim, esse objetivo deve ser alcançado de modo muito gradual. A pre¬ocupação de manter a atual arrecadação dos esta¬dos – fator relevante e fundamental para manter o equilíbrio regional e viabilizar a reforma – deve fazer com que as alterações só venham a ter conse¬qüências a partir de 2015 (por ser o primeiro exer¬cício posterior ao eventual segundo mandato de qualquer atual governador).

Segundo se divulga, a proposta trará a criação de dois IVAs (imposto sobre valor agregado): um federal, juntando o atual PIS e a CSLL (que incide sobre os lucros), e outro substituindo o atual ICMS. Este último teria uma legislação nacional, mas se¬ria arrecadado pelas respectivas fazendas estaduais e seria devido no destino (e não na origem como hoje). As eventuais perdas dos estados com o novo IVA no destino seriam compensadas por um fundo formado pelos ganhos de outros estados e pelo go¬verno federal.

Essa proposta – origi¬nalmente prevista para ser entregue em novembro de 2007 – deve ser apresentada ao Congresso neste primei¬ro semestre de 2008. Até o momento, é o que temos em matéria de reforma tributá¬ria. Nada nela se destina a reduzir a carga de tributos indiretos, nem em aumentar os tributos sobre a renda e sobre a propriedade.

O país precisa de muito mais que isso em seu sis¬tema tributário. Necessitamos de uma reforma que, pelo menos, atinja alguns pontos nodais – diminui¬ção da regressividade e melhor distribuição da arre¬cadação entre os entes –, ousando uma reversão no atual padrão de financiamento do Estado brasileiro. Poder-se-ia aventar uma reforma que tivesse como objetivos:

– Manter a Cofins e a CSLL como fonte de finan¬ciamento do Orçamento da Seguridade, mas um no¬vo IVA federal substituiria o atual IPI e a CIDE; a Cofins seria integralmente cobrada pelo valor adicio¬nado, eliminando-se as exceções ainda existentes;

– vincular parte da alíquota da nova Cofins ao fi¬nanciamento do Regime Geral da Previdência Social, em substituição ao atual encargo patronal sobre a folha; isso faria com que o financiamento do sistema previdenciário fosse, de fato, de toda a sociedade, co¬mo manda a Constituição; sem os custos patronais pesando especialmente sobre as empresas intensivas de mão-de-obra, toda informalidade e precarização dos vínculos empregatícios seria eliminada, inclusive quanto aos assalariados da classe média, cuja informalidade hoje continua a crescer. Essa substi¬tuição poderia ser feita sem aumento da atual carga tributária total;

– elevar a participação dos impostos diretos (sobre renda e patrimônio) no financiamento do Estado bra¬sileiro; o imposto de renda deverá contar com, pelo me¬nos, mais uma alíquota acima da atual segunda faixa de renda; o imposto sobre grandes fortunas deverá ser criado como suplementar ao imposto de renda, servin¬do de piso de contribuição para esse último;

– federalizar o atual imposto estadual de trans¬missão por herança, que passaria a ter alíquotas progressivas; porém, metade ou mais de sua arreca¬dação deveria ser entregue aos estados; a federaliza¬ção é necessária para dar maior poder ao legislador, evitando que os muito ricos venham a trocar de do¬micílio entre os estados apenas para se beneficiarem de tratamento mais privile¬giado;

– transferir a cobrança e a destinação do ICMS to¬talmente para o destino de forma imediata ou dentro de um curto prazo de tran¬sição; os estados produto¬res seriam compensados por suas eventuais perdas por um período não inferior a uma década; um fundo compensatório seria criado, formado por recursos de es¬tados eventualmente ganhadores e complementado e garantido pela União; a adoção desse mecanismo tor¬naria mais simples a reforma, dispensando uma com¬plexa negociação unificadora das regras do imposto, como hoje se propõe; esse ponto (e), juntamente com o anterior (d), serviriam de base para renovar e atuali¬zar o pacto federativo.

A carga tributária alta é de difícil reversão

A própria necessidade de resolver divergências interestaduais e inter-regionais inviabiliza uma re¬dução significativa da receita total.

O mais importante não é tanto reduzir a carga tri¬butária, mas resolver sua irracionalidade e regressivi¬dade, dando à sociedade, em troca, um maior retorno sob a forma de melhores gastos em serviços públicos e uma política econômica de maior desenvolvimento.

Entretanto, seria possível adotar as medidas pro¬postas sem elevar a atual carga tributária. Esse não é o maior problema a enfrentar em uma reforma. O desafio político é devolver aos parlamentares e gover¬nadores a segurança na estabilidade das novas regras e restabelecer a confiança mútua – com base na soli¬dariedade federativa e social – de que não haverá, ao final, ganhadores e perdedores. Apenas a União, por meio do governo federal, pode comandar esse proces¬so de conformar um novo pacto federativo.

Esse novo pacto federativo deve amoldar suas re¬gras às recentes mudanças de poder relativo entre os entes federados, mas tendo a União como garante. Apenas a União tem condição de patrociná-lo, em um processo em que necessariamente deve abrir-mão de parte de seus recursos como garante o final de uma transição segura para todos os entes. A ex¬tinção da CPMF com o corte de recursos expressivos do orçamento federal, sem dúvida, prejudicará esse processo.

É provável que um novo pacto como esse deman¬de também uma reforma fis¬cal que redefina as funções entre as três esferas de poder (União, estados e municí¬pios), demarcando melhor as competências, quando complementares ou concor¬rentes. Além disso, é pouco provável que as atuais regras eleitorais e partidárias permi¬tam criar um tipo de maioria necessário para viabilizar o próprio processo legislativo e ajudar a estabelecer a con¬fiança mútua necessária entre os agentes. Esse é um dos motivos de se denominar a reforma política como a “mãe de todas as reformas”.

A tarefa de realizar uma reforma tributária com o escopo esboçado demanda ousadia e um esforço político considerável. No momento, parece-nos que o governo Lula não contaria com apoio congressual suficiente para empreendê-la. Porém, essas condi¬ções podem ser conquistadas e construídas, desde que o governo eleja como objetivo primordial soli¬dificar sua base de apoio político e parlamentar em torno de um projeto mudancista maior de reforma do Estado, que unifique interesses legítimos e iniba tendências exclusivistas de certas forças políticas que o compõem. E o alicerce será a renovação do pacto federativo, condição fundamental da estabilidade do Estado e da nação brasileira.

Lecio Morais é economista, mestre em Ciência Políti¬ca e especialista em orçamentos e planos públicos. É assessor técnico da Liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados

EDIÇÃO 94, FEV/MAR, 2008, PÁGINAS 65, 66, 67, 68, 69, 70