Os desafios da CTB
A construção da CTB é produto de decisões e iniciativas dos sindicalis¬tas da Corrente Sindical Classista (CSC), em sua maioria ligados ao PCdoB; do Sindicalismo Socialista Brasileiro (SSB), associado ao PSB; de lideranças independentes da classe trabalhadora no campo e na cidade, cabendo destacar a forte participação dos dirigentes de federações rurais e marítimos. Antes de se definirem pela criação de uma central classista, a CSC e o SSB atuavam no que, contraditoriamente, já vinha perdendo bases desde a vitória de Lula em 2002, com o afastamento dos sindicalistas que formaram o Conlutas, ligado ao PSTU, e, na seqüência, da Intersindical, ligada ao P-Sol e ao PCB.interior da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Criada em 1988, a Corrente Sindical Classista (CSC) ingressou na CUT em 1991, no fogo do seu polêmico 4º Congresso. O balanço feito pelos clas¬sistas de sua permanência naquela central – duran¬te 16 anos em que sempre se pautaram por opiniões e posições independentes – é francamente positivo. Foi um período de acúmulo de forças em que, num contexto histórico de hegemonia neoliberal e crise do movimento sindical, o sindicalismo classista se fortaleceu e criou novas perspectivas.
Ao longo do tempo, tensões e contradições com concepções teóricas e a conduta prática da for¬ça majoritária na direção da CUT – a Articulação Sindical do PT – foram se acumulando e, em inte¬ração com uma mudança positiva e promissora do cenário político e sindi¬cal no Brasil e em toda a América Latina, conduzi¬ram à percepção de que a presença da CSC na CUT já não fazia mais sentido, carecia de perspectiva e tinha se esgotado. Isto jus¬tificou a ruptura.
Havia muitas divergências dentro da CUT opon¬do os sindicalistas da CSC às concepções e práticas majoritárias. Entre elas, ganharam destaque ques¬tões relacionadas a perspectivas na luta de classes e na relação entre capital e trabalho; democracia; unidade; organização e unicidade sindical; filiação internacional; formas de financiamento; e outras de menor relevância.
Quando a CSC ingressou na CUT esta ainda po¬dia ser caracterizada como uma central classista e de luta. Não custa lembrar que durante os anos 80 do século passado a CUT foi fundada e se firmou apostando numa política de confronto contra o ca¬pital e a ditadura militar, opondo-se neste sentido à prática conciliadora do velho partidão (PCB) e dos antigos pelegos.
Numa década marcada por grandes lutas sindi¬cais e políticas, redemocratização e ascensão dos mo¬vimentos sociais, a CUT surgiu e cresceu com uma tática ousada e inegavelmente combativa, contrarian¬do quem imaginava que seria apenas uma aventura breve e sem futuro. Ganhou a confiança de muitas categorias e lideranças, ampliou sua influência e se consolidou como a maior central sindical brasileira.
Todavia, o quadro se alterou na década de 1990 – caracterizada pela hegemonia do neoliberalis¬mo e pela derrota do “socialismo real”. As greves rarearam e o desemprego atingiu níveis inéditos, sobretudo nos governos de FHC, que também in¬tensificou a flexibilização do mercado de trabalho, perseguiu os sindicatos e impôs o retrocesso das re¬lações entre capital e trabalho.
Sob a dominação do neoliberalismo o Brasil mu¬dou para pior, levando-se em conta os interesses da classe trabalhadora e da maioria da nação. A CUT também sofreu esse impac¬to. A cúpula dessa central abandonou o discurso e a prática classista para pro¬por um “sindicalismo ci¬dadão”, trocou a tática do confronto pela conciliação, alimentou ilusões em re¬lação a câmaras setoriais, vacilou diante da reforma previdenciária de FHC e aos poucos foi consolidan¬do uma concepção sindical de viés social-democrata, orientada para a colabora¬ção de classes, o que teve sua correspondência, no plano internacional, na filiação à Confederação Internacional de Organiza¬ção dos Sindicatos Livres (Ciols).
Hegemonismo
Outro problema decisivo foi o método antide¬mocrático de direção que tem predominado na CUT que, no meio sindical, ficou conhecido como hege¬monismo. Este consiste em monopolizar os espaços de poder no interior da organização nas mãos da tendência majoritária, sem levar em conta a força relativa das outras correntes lá atuantes e que são, conseqüentemente, relegadas a segundo plano.
Tal estilo de impor a hegemonia dentro de uma central sindical só pode levar, como de fato levou, à divisão e à partidarização. O hegemonismo ficou mais acentuado ao longo do 9º Concut, refletindo-se na manipulação do congresso estadual da CUT-Bahia, onde foram utilizados métodos condenáveis para derrotar a CSC, cuja presença majoritária no sin¬dicalismo baiano é inquestionável. Neste e em outros episódios ficou claro a disposição de um núcleo da força dirigente de garantir o exclusivismo a qualquer custo em todas as instâncias de direção da central.
É preciso extrair lições de tudo isso. O princí¬pio da democracia deve ser respeitado e valorizado. Neste sentido, a CTB se propõe o desafio de exerci¬tar e aprofundar a democracia interna, observan¬do na composição de sua direção o critério da pro¬porcionalidade qualificada, assim como mantendo um caráter plural, evitando a partidarização e pro¬piciando um convívio maduro e saudável entre os diferentes segmentos que a compõem.
Unicidade e liberdade sindical
No campo das concepções sobre organização, liberdade e unicidade sindical são notórias as controvérsias entre a CSC e a maioria da CUT. Na visão classista, a unidade da classe tra¬balhadora nas bases e na cúpula do movimento sindical é indis¬pensável para impulsionar as lu¬tas e conquistar vitórias. No caso do Brasil, a norma constitucional da unicidade sindical, que esta¬belece a base mínima municipal, favorece a unidade no âmbito do local de trabalho e da categoria profissional, sendo fundamental para enfrentar a ofensiva do capital. A unicidade, na concepção classista, não se contrapõe à liberdade.
O pensamento cutista dominante vai noutra di¬reção. É contra a unicidade e, a pretexto de defender a liberdade sindical, propõe o chamado pluralismo sindical, pelo qual é possível funcionários de uma mesma categoria – ou até de uma só empresa – se¬rem representados por dois, três, quatro ou mais sindicatos. Isto divide as bases e joga água no moi¬nho dos patrões. Nos países onde esse tipo de plu¬ralismo domina a experiência indica que estimula a divisão e a fragmentação dos sindicatos e da classe trabalhadora.
A polêmica não é só teórica. Dirigentes da CUT têm estimulado a divisão ou o desdobramento de bases sindicais em diferentes ramos e categorias. O problema maior, neste sentido, ocorre hoje no meio rural, onde lideranças orientadas pela dire¬ção da central e com respaldo em setores do go¬verno federal se ocupam em dividir as bases das entidades filiadas à Contag, criando federações e sindicatos da agricultura familiar que negam e so¬lapam a união entre pequenos camponeses e assa¬lariados rurais.
Independência
classista
A liberdade sindical está estreitamente asso¬ciada à autonomia e independência de classe dos sindicatos. No governo Lula, a CUT também dei¬xou de zelar pela autonomia e chegou a fazer corpo mole na luta contra a reforma da Previdência de 2003, sofrendo forte desgaste no funcionalismo. É necessário analisar com espírito crítico e autocrítico a experiência histórica da esquerda neste terreno. A CTB considera a autonomia e a independência das organizações sindicais em relação ao estado, a par¬tidos políticos, ao capital e a religiões como uma questão de princípios.
Convém lembrar, ainda, que a CSC sempre criti¬cou a política internacional da CUT, opondo-se à filiação à Ciols – que se transformou na Confederação Sindical Internacional (CSI) após a incorporação da Central Mundial dos Trabalhadores (CMT) –, por entender que esta não é uma or¬ganização confiável e conseqüente na luta contra o neoliberalismo e o imperialismo. A posição classista, neste sentido, é pela reorganização e o fortalecimento da Federação Sindical Mundial (FSM).
Recomposição do
sindicalismo
A opção do sindicalismo classista – de sair da CUT e se empenhar na criação da CTB, em aliança com outras forças – não se explica apenas pelas diferen¬ças políticas ou de concepções com a força majoritá¬ria. Não será possível compreender esse movimento da CSC abstraindo o contexto político mais geral em que ocorre. Os fatos sugerem que vivemos um mo¬mento de recomposição do sindicalismo nacional.
Em julho do ano passado foi criada a UGT (União Geral dos Trabalhadores), fruto da fusão entre CGT, CAT e SDS e de uma dissidência da Força Sindical; dirigentes de federações e confederações já tinham criado a Nova Central; o PSTU fundou o Conlutas; sindicalistas integrantes da esquerda da CUT saíram para formar a Intersindical.
Notam-se igualmente redefinições de posicio¬namentos políticos. Criada em 1991, a Força Sin¬dical, dirigida pelo deputado federal do PDT-SP, Paulo Pereira da Silva, busca uma nova identi¬dade, afastando-se das posições conservadoras a que estava associada até recentemente. A época de polarização entre esquerda (CUT) e direita (Força Sindical) no sindicalismo nacional ficou para trás e deu lugar a uma nova realidade. A própria CUT já não é a mesma.
Novo cenário
político
A recomposição em curso no movimento sindi¬cal certamente não ocorre no vazio. Tem a ver com a perspectiva de mudanças na organização sindical, a começar pela legalização das centrais. Está igual¬mente associada ao quadro político em mutação no mundo, especialmente na América Latina e no Brasil.
O declínio da liderança dos EUA e do padrão dólar no Globo enseja a neces¬sidade objetiva de transi¬ção e mudanças na ordem econômica, monetária e política internacional. Na América Latina, o fracasso e as misérias do neolibe¬ralismo – aqui traduzido no chamado Consenso de Washington – desperta¬ram a revolta popular e conduziram a mudanças políticas inimagináveis há alguns anos.
A direita neoliberal sofreu notáveis derrotas eleitorais na região, começando pela Venezuela, on¬de a eleição de Hugo Chávez, em 1998, e a derro¬ta do golpe militar instigado pelos EUA em 2002, abriram caminho para transformações sociais mais profundas, recolocando na ordem-do-dia a luta pe¬lo “socialismo do século XXI”. A mudança do cená¬rio político não ficou limitada à Venezuela, chegou à Argentina, à Bolívia, ao Equador, ao Brasil, ao Uruguai, à Nicarágua, ao Panamá.
Reveses do
imperialismo
Como conseqüência, a política imperialista dos EUA na América Latina tem sido contestada e der¬rotada. Ao invés da ALCA – proposta da Casa Bran¬ca de 1994 que já fez água – assistimos à expansão do Mercosul, à consolidação da ALBA e a outras iniciativas que apontam para uma integração po¬lítica e econômica maior dos países latino-ameri¬canos, criando uma nova perspectiva para a luta antiimperialista.
A reeleição de Lula em 2006, além de favorecer uma opção de desenvolvimento nacional soberano e a integração da América Latina, propiciou melho¬res condições para elevar o nível de participação da classe trabalhadora na luta política, bem como pa¬ra o fortalecimento de uma alternativa classista no movimento sindical brasileiro.
Embora não se possa dizer que por aqui haja um ascenso da luta de massas, o fato é que saímos de uma posição de permanente ofensiva neolibe¬ral – que originava dificuldades de toda ordem às mobilizações populares –, para uma situação de ampliação da resistência, que pode evoluir para uma contra-ofensiva. Registra-se, paralelamente, o avanço político de partidos e forças progressis¬tas, fenômeno que por sua vez reflete uma evolução positiva da consciência social do povo brasileiro.
Os ventos políticos que sopram na América Lati¬na apontam a necessidade objetiva de mudanças so¬ciais mais profundas. Os povos da região reclamam a superação da miséria neoliberal e respaldam a luta por novos projetos de desenvolvimento nacional, com caráter antiimperialis¬ta, fundados na soberania, distribuição mais justa da renda produzida pelo trabalho e valorização dos trabalhadores e trabalhadoras.
Centralidade da classe
trabalhadora
O sucesso, assim como o conteúdo e a dimen¬são das mudanças em curso no Brasil e na Amé¬rica Latina, não dependem apenas de convicções, intenções e disposição dos líderes políticos. Serão condicionados principalmente pela capacidade de intervenção dos movimentos sociais, liderados pela classe trabalhadora, no processo político em desen¬volvimento. Aí é que devemos compreender o pa¬pel e os desafios da CTB.
Em nosso país os passos dados pelo governo Lula (na direção das mudanças) foram importan¬tes, mas ainda modestos se levarmos em conta as perspectivas do movimento sindical e os interesses da classe trabalhadora. O perigo de retrocesso não está afastado. É indispensável lutar por mudanças na política econômica, ainda marcada por forte vi¬és neoliberal; pelo pleno emprego e por um projeto de desenvolvimento nacional soberano fundado na valorização do trabalho. O sindicalismo nacional pode ter um papel cen¬tral nesta luta, mas não podemos esquecer que ainda vive sob a ressaca da derrota do “socialismo real”, da reestruturação produtiva e da ofensiva neoliberal, que influenciou inclusive a subjetividade e a identi¬dade dos trabalhadores com sua própria classe. Além disto, o universo da ação sindical no Brasil não com¬preende toda a classe trabalhadora, limitando-se aos que têm carteira assinada – o que exclui milhões de desempregados, subempregados e informais.
A tarefa que se impõe consiste em superar a cri¬se do sindicalismo e conquistar um protagonismo maior da classe trabalhadora no cenário político nacional, de forma a su¬plantar o neoliberalismo e abrir caminho para o so¬cialismo. Isto requer uni¬dade, organização, mobili¬zação e consciência.
Coalizão
sindical
A CTB não saiu da CUT para dividir o movimento sindical, muito pelo con¬trário. Para ela, a unida¬de de todas as categorias é essencial; porém, não se dará, nas atuais circuns¬tâncias, no interior de uma única central. O plu¬ralismo na cúpula do movimento é um fato que não pode ser ignorado.
Neste sentido, a CTB e outras centrais propõem a realização de uma Conferência Nacional da Clas¬se Trabalhadora (Conclat), reunindo o conjunto do movimento sindical para debater uma plataforma dos trabalhadores e eleger uma coordenação das centrais para conduzir as lutas unitárias. A Conclat tende a ser um desdobramento natural do proces¬so já em curso de unificação, através do fórum das centrais, na campanha nacional pela redução da jornada sem redução de salários, por mudanças da política econômica, por uma reforma tributária jus¬ta e em torno de outras bandeiras. Neste sentido, o fórum das centrais vai se revelando um poderoso catalisador das lutas sociais.
Também cabe realçar a necessidade de intensifi¬car o trabalho de organização, mobilização e cons¬cientização das bases; o desafio de envolver o con¬junto da classe nas lutas, atraindo desempregados, subempregados e a legião de trabalhadores e traba¬¬lhadoras informais hoje excluídos da representação sindical. A união com outras organizações populares deve ser reforçada através da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS).
Valorização
do trabalho
A unidade deve ter como norte a luta por um novo modelo de desenvolvimento nacional, com so¬berania e valorização da classe trabalhadora. Não se trata mais do velho nacional-desenvolvimentismo burguês, que em seu tempo teve relevante valor e ocasionou inegável prosperidade, impulsionando a industrialização do país, mas já não se aplica aos dias atuais.
No projeto da CTB, os interesses do povo traba¬lhador são compreendidos como condições para o crescimento da economia e fortalecimento do mer¬cado interno, ao contrário do que supõe o neolibe¬ralismo. As bandeiras do trabalho, com destaque para a educação, são con¬cebidas como bandeiras do desenvolvimento e este deve respeitar o meio am¬biente, além de conquistar efetiva igualdade entre os seres humanos, independente de raça, etnia, gêne¬ro ou orientação sexual e combater todo e qualquer tipo de discriminação. O desenvolvimento com va¬lorização do trabalho abrirá caminho à superação do capitalismo e ao socialismo do século XXI.
A transição política em curso na América Latina e no Brasil não está previamente definida a favor das forças progressistas e tampouco é imune a re¬trocessos, mas pode ter um desfecho muito positivo para os povos se negar o neoliberalismo, derrotar o imperialismo, consolidar a integração econômica e política das nações mais pobres e abrir caminho para o socialismo, já que a crise do neoliberalismo é no fundo uma crise do capitalismo. A intervenção enérgica da classe trabalhadora é fundamental para encaminhar as coisas neste rumo.
João Batista Lemos é Secretário adjunto de Relações Internacionais da Central dos Trabalhadores e Tra¬balhadoras do Brasil (CTB) e Umberto Martins é jornalista
EDIÇÃO 94, FEV/MAR, 2008, PÁGINAS 36, 37, 38, 39, 40