Por demarcar de forma explícita com as teses neoliberais – propugnando a construção de um novo modelo de desenvolvimento em nosso país –, o programa de governo 2007-2010 representa uma importante con¬quista e um instrumento de luta nas mãos das forças progressistas, interessadas no avanço das mudanças e no enterro definitivo da agenda neoliberal em nos¬so país. Esse importante documento norteador das ações do segundo mandato apresenta, dentre seus eixos principais, a construção de uma “educação massiva e de qualidade”, concebida como “objetivo estratégico” e como elemento funda¬mental da construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento..

Público versus privado

Um traço permeia a história da educação brasileira desde seus primórdios: o antagonismo entre público e privado, ou, dito de outro modo, entre o esforço um projeto nacional na área de educação.de construção de uma educação de caráter público, a serviço dos interesses maiores do país, e as tenta¬tivas de apropriação do sistema educacional por in¬teresses particularistas. Com efeito, são comuns na história de nosso país políticas e práticas reveladoras do interesse – manifestado por certas classes e/ou segmentos sociais – de apropriação privada do bem público, o que na maioria das vezes ocorre às expen¬sas e sob a cobertura de políticas ditas de “Estado”. Nessa tendência podemos detectar a causa última das seguidas derrotas das tentativas de edificação de um projeto nacional na área de educação.

É em torno da contradição entre público e priva¬do que tem girado a disputa pelo estabelecimento de marcos regulatórios da educação nacional. Desde a criação das primeiras universidades que o setor pri¬vado – nos primórdios restrito aos empreendimentos educacionais de cunho religioso, em sua maioria ca¬tólicos – tenta garantir maior liberdade e isenção face às restrições e limites impostos pelo poder público.

Exemplo disso são as discussões em torno de mudanças na LDB durante a década de 1950. Nesse período registra-se a contraposição de dois setores bem definidos. De um lado, os signatários da peda¬gogia da “escola nova”, Anísio Teixeira à frente, que faziam a defesa de uma educação pública, gratuita e para todos como fator estratégico para a reconstru¬ção social. De outro, o setor privado, liderado pelo político udenista Carlos Lacerda, que defendia a ex¬pansão do ensino privado e sua autonomia perante o poder público.

A prevalência dos interesses privados nesse en¬frentamento abriu caminho para a imposição de sucessivos marcos regulatórios contrários à idéia de um sistema educacional íntegro e articulado, a ser¬viço dos interesses maiores do país. Foi assim du¬rante o governo Jango, quando uma nova LDB foi aprovada a partir do projeto substitutivo de Carlos Lacerda, articulando os interesses do capital privado na concessão pública para a exploração da educação. Foi assim, igualmente, durante o período da ditadu¬ra militar em nosso país, quando da celebração e im¬plementação dos famigerados acordos MEC/USAID, impostos a partir do sufocamento de todos aqueles que se opunham às suas medidas tecnocráticas e li¬beralizantes. Vencida essa batalha, os interesses pri¬vados iriam impor seu controle sobre a educação por mais de três décadas.

Anos 1990: o apogeu dos interesses privados

Os anos 1990 significaram para a educação bra¬sileira o agravamento desse quadro de predomínio dos interesses privados. Nunca antes a visão pri¬vatista se beneficiou tanto; nunca antes conseguiu prevalecer tão explicitamente sobre o interesse pú¬blico no Brasil. A noção de educação como conces¬são pública e atividade de sentido estratégico para o país acabou relegada a segundo plano, com graves conseqüências para o futuro de nosso sistema de educação superior.

Nesse período a lógica neoliberal de desmante¬lamento do Estado e de seus aparatos mergulhou a Universidade Pública em uma grave crise de financia¬mento. Sob o argumento de que era necessário “prio¬rizar os investimentos no ensino básico” (que hoje vive uma situação de calamidade), o governo FHC foi conseqüente com sua política de desvalorização do ensino superior público e gratuito. Exercitou durante quase uma década a estratégia de estrangular finan¬ceiramente a universidade para levá-la à dependên¬cia do mercado – acarretando perda de autonomia e riscos para o exercício de sua missão principal.

Os recursos das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) na era FHC foram reduzidos em 15%. De 1994 a 2001 caiu de 0,87 para 0,40% a parti¬cipação do PIB no financiamento das universidades. Anos se passaram sem a promoção de uma política de expansão e interiorização massiva do ensino público e sem investimentos adequados em desenvolvimen¬to tecnológico e manutenção de instalações. Recur¬sos para investimentos em bibliotecas, laboratórios e equipamentos foram de R$ 310 milhões em 95 para R$ 91 milhões em 2000. A corrosão salarial e a ine¬xistência de planos de carreira adequados levaram à precarização do trabalho docente e à conseqüente perda de recursos humanos altamente qualificados – justamente no momento em que a sociedade pres¬sionava a Universidade Pública por níveis crescentes de excelência.

Já o setor privado jamais vivenciou época melhor. No final dos anos 1990 as vagas em instituições par¬ticulares alcançaram mais de 70% da oferta total. A ação dos assim chamados “tubarões” (donos de insti¬tuições particulares) adquiriu maior liberdade, com a redução drástica dos instrumentos de controle públi¬co sobre a educação privada. No esteio desse processo liberalizante, abriu-se uma avenida para a circulação do capital internacional em nossas instituições priva¬das de ensino, acarretando graves riscos à soberania de nosso país sobre seu sistema educacional.

Desafios da educação na “era” Lula

Foi para reverter esse quadro que forças políti¬cas e sociais renovadoras se aglutinaram em torno da candidatura Lula em 2002 e 2006. Embora vi¬torioso, o programa de mudanças referendado nas urnas em ambas as oportunidades encontra-se co¬tidianamente submetido às pressões e proposições de diferentes atores sociais, cuja capacidade de in¬tervenção pode aprofundar a idéia de um projeto nacional na área de educação ou, ao contrário dis¬so, desviar o governo de sua trajetória natural e de seus objetivos iniciais.

A resultante desse processo de pressões e contra¬pressões tem sido até aqui positiva, e pode ser resu¬mida na idéia de resistência. Em primeiro lugar por estancar a “sangria” provocada pelas políticas neoli¬berais, e além disso – o que é mais visível no segundo mandato –, por implementar algumas medidas que têm proporcionado ao ensino superior uma gradati¬va recuperação. Vista a si¬tuação de conjunto pode¬mos afirmar que, apesar de ainda estarmos muito distantes do projeto de ensino superior de nossos sonhos, a universidade brasileira já não mais se encontra “na UTI”.

No primeiro manda¬to, passos importantes – lentos, mas firmes – fo¬ram dados no sentido do cumprimento do progra¬ma eleito. Ali teve início um processo de expansão e democratização do en¬sino superior a partir da criação e interiorização das universidades fede¬rais, da contratação de novos professores e da im¬plantação do Programa Universidade para Todos (PROUNI).

Outra medida importante foi a criação do Siste¬ma Nacional de Avaliação Institucional (SINAES), que se propõe a avaliar as instituições de ensino a partir do tripé avaliação das instituições / condições de oferta dos cursos / desempenho dos estudantes. A constituição desse sistema representa um inomi¬nável avanço, dado a articulação que proporciona na avaliação de distintas dimensões do processo edu¬cacional, visando a detectar e agir sobre as causas e não apenas a constatar os efeitos dos problemas do processo ensino-aprendizagem. Ao consolidar um novo paradigma avaliativo, mais democrático, mul¬tilateral, moderno e eficiente, o SINAES – que ainda precisa ser implementado na íntegra – pode vir a ser um instrumento imprescindível para o controle so¬cial sobre a qualidade do ensino superior.

Mas é possível que o maior mérito do primeiro governo Lula nessa área tenha sido mesmo o de ter deflagrado um amplo debate sobre a Reforma Universitária, com ampla participação da socieda¬de e das entidades do setor acadêmico. Como fru¬to desse debate surgiu o Projeto de Lei n. 7200/06, que ficou conhecido como o “PL da Reforma Uni¬versitária”.

Elaborado com a perspectiva de fortalecimento da educação como compromisso do Estado, o Projeto define o ensino superior como “bem público”. Traz consigo avanços importantes, com destaque para a consolidação de instrumentos de financiamento ca¬pazes de proporcionar às universidades um horizon¬te mais estável, transparente e previsível – sem as intermitências no financia¬mento que caracterizaram os anos 1990. Avança ainda em pontos como a autono¬mia (concedida apenas pa¬ra as universidades, e não para centros universitários e faculdades isoladas) e a regulamentação do ensino privado. Institucionaliza os Planos Nacionais de Pós-Graduação (abandonados desde o governo Collor) e limita a 30% a participação estrangeira no capital vo¬tante das instituições. Por fim, dentre outros tantos avanços, o PL abarca ele¬mentos de uma política de emprego para jovens mes¬tres e doutores – em particular a exigência de per¬centuais definidos de mestres e doutores na com¬posição do corpo docente de universidades, centros universitários e faculdades.

Possível apenas em função do amplo e demo¬crático debate travado em torno da sua constru¬ção, o PL 7200/06 enfrenta hoje no Congresso Nacional forte resistência do setor privado, que tem operado para paralisar sua tramitação. A táti¬ca utilizada foi a da apresentação de centenas de emendas, quase todas de sentido contrário ao do espírito do projeto.

Essa realidade atesta como nunca que a disputa em torno das políticas educacionais é permeada por interesses sociais e históricos. Antigas contradições voltam a se manifestar no presente sob outras formas, mas com um mesmo e nítido conteúdo: o da disputa entre os que concebem a educação como bem públi¬co, a serviço do desenvolvimento na nação, e os que operam a favor de interesses privados, muitas vezes inconfessáveis, e portanto pela mais completa desre¬gulamentação e liberalização do ensino superior.

O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)

O cenário do segundo mandato do governo Lula é marcado pela tentativa de impulsionar um novo ci¬clo de desenvolvimento econômico e social, buscan¬do a superação das seqüelas neoliberais em nosso país. O segundo mandato chega mesmo – até como decorrência do debate programático travado sobre¬tudo no 2º turno das eleições de 2006 – a assumir a prioridade e a marca do desenvolvimento, que en¬contram expressão maior no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

É nesse mesmo contexto que o Ministério da Educação (MEC) lança o Plano de Desenvolvimen¬to da Educação (PDE), composto de uma série de medidas relativas tanto à educação básica quanto à superior. Fruto da tentativa de dar resposta a um dos principais compromissos assumidos nas eleições de 2006, o PDE surge em um momento mais favorável à luta pela Nova Universidade. Não apenas pelo am¬biente de maior abertura e diálogo democrático, mas também porque amplos setores da população brasi¬leira – trabalhadores, gestores públicos, empresaria¬do – começam a acordar para os estragos trazidos à educação pela era neoliberal. Fica cada vez mais cla¬ro para todos que sem educação de qualidade os in¬divíduos ficam excluídos e as empresas perdem em produtividade e competitividade. Não à toa, a educa¬ção tornou-se um tema permanente e destacado na agenda política nacional.

Com o Plano de Desenvolvimento da Educação o governo busca aliar ações de ampliação e democra¬tização do acesso a outras, relacionadas à reestru¬turação das instituições de educação superior. Entre as principais medidas do PDE destinada às IFES en¬contra-se o Programa de Reestruturação e Expansão das Instituições Federais de Ensino Superior (REU¬NI), que vem causando reações e muito debate no seio da comunidade acadêmica.

Através do REUNI o governo pretende recuperar do ponto de vista material e de recursos humanos as instituições federais. O núcleo do Programa resi¬de em uma ousada política de expansão de vagas na graduação, com foco na criação de cursos noturnos. Acompanhado disso, o Programa fortalece a políti¬ca de combate à evasão, com a implementação do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Para além disso, estimula as universidades a refor¬mularem suas estruturas acadêmicas nos marcos da autonomia universitária, de forma a ampliar a for¬mação propedêutica do aluno – evitando a especiali¬zação precoce – e a promover maior integração entre currículos e entre cursos, abrindo novos horizontes ao exercício da interdisciplinaridade.

O REUNI tem grande importância para o deba¬te sobre a Reforma Universitária. Em primeiro lu¬gar porque democratiza o acesso ao saber superior, antes privilégio de poucos, o que pode resultar em mudanças significativas na composição social das universidades, tornando-as ainda mais capazes de dialogar com os principais problemas enfrentados pelo povo. Em segundo lugar, porque o REUNI es¬timula a transformação das estruturas acadêmicas de acordo com a vocação definida por cada institui¬ção federal.

Com o REUNI, o governo Lula materializa uma nova tática visando à realização de seus objetivos reformistas no segmento da educação superior. Com as discussões em torno do PL 7200/06 parali¬sadas no Congresso Nacional, o governo redireciona seus esforços tentando implementar reformas por dentro, isto é, a partir do interior das próprias insti¬tuições de ensino. Esse é talvez o grande mérito do Programa. Já o grande educador Anísio Teixeira, ao referir-se às estratégias necessárias à realização da reforma universitária, afirmava que a melhor delas era o reforço da autonomia das instituições, permi¬tindo que estas se tornassem protagonistas de sua própria reestruturação.

Com efeito, somente no contexto da verdadeira autonomia universitária será possível conceber e realizar diretrizes, critérios e modelos acadêmicos flexíveis para uma universidade profundamente renovada. Sem o prejuízo de um projeto nacional e da adoção de princípios comuns, um processo real¬mente profundo e conseqüente de reforma não pode desrespeitar as peculiaridades de cada instituição e das realidades onde se acham inseridas. É preciso, de fato, apostar na possibilidade de a própria univer¬sidade gerar modelos de transformação capazes de torná-la reconhecida e legitimada do ponto de vista acadêmico e social.

O caminho para a Nova Universidade

O PL 7200 e o PDE representam dois importan¬tes instrumentos da luta por uma nova política de Estado para o setor educacional. Ambas as iniciati¬vas precisam ser compreendidas como importantes conquistas relativamente ao patamar atual da luta política em nosso país. Como conseqüência disso, devem ser tomadas como bandeiras prioritárias. Resgatar o PL da Reforma e fazê-lo tramitar no Congresso Nacional, garantindo a sub-vinculação orça¬mentária dos recursos para a educação superior (três quartos dos 18% do orçamento da União constitu¬cionalmente vinculados às IFES) deve ser o primei¬ro passo. É sabido que o financiamento ainda é um ponto de estrangulamento das IFES e ele é crucial num momento de ampliação de vagas e de medidas para combater a evasão.

Para fazer avançar o PL, é necessária a construção de uma ampla frente de parlamentares que consiga fazer o enfrentamento com a bancada dos tubarões garantindo a regulamentação do funcionamento das instituições privadas. Movimento como esse certa¬mente gozaria de amplo apoio popular. O artigo 3º do PL 7200/2006, que trata a educação como um bem público, pode ser a bandeira capaz de unificar amplos setores do movimento social na necessária pressão sobre os parlamentares no Congresso Nacional.

Além disso, também devemos seguir na lu¬ta pela implementação imediata de algumas das medidas de interesse dos estudantes contidas no PL 7200. Muitas dessas medidas podem ser im¬plementadas por decreto presidencial ou através de portarias ministeriais, prescindindo portanto da tramitação de Projeto de Lei no Congresso Nacional. É o que foi feito através do assim chamado “decreto-ponte”, que antecipou al¬gumas medidas previstas no PL 7200 relativas à re¬gulamentação das instituições privadas. É também o que poderia ocorrer com a questão da autonomia, cuja regulamentação o governo havia prometido fa¬zer através de decreto. Mas talvez o mais urgente dos dispositivos do PL 7200 seja mesmo o contido no # 4º do artigo 7º do PL 7200 (limite de 30% para a participação do capital estrangeiro nas IES). Dado o avanço do processo de desnacionalização da educa¬ção brasileira, era importante que essa medida fosse implementada logo, se possível através de decreto governamental.

Quanto ao PDE e, em especial, ao REUNI, é preciso ser mais ousado nas proposições no interior das uni¬versidades. É de fundamental importância fortalecer a política de ampliação de vagas através da criação de novos cursos – inclusive os voltados à formação de professores, dada a grande carência de professo¬res para o ensino básico (em particular nas áreas de matemática e ciências). Entretanto, alguns mecanis¬mos do Programa precisam ser repensados. O REU¬NI ainda carece de um marco legal, que garanta seu caráter de política de Estado para além de um mero programa governamental.

Além disso, é notório que, para alcançar os tão ambiciosos objetivos expressos no Programa, será preciso aprofundar o debate quan¬to ao financiamento. A atual política econômica que mantém os cortes na área pública pode inverter o si¬nal do projeto, conferindo-lhe um sentido privatista ao inviabilizar a expansão acelerada de vagas nas ins¬tituições públicas com garantia de qualidade.
Estamos diante de um processo de reforma na educação em que o movimento social precisa ser mais protagonista. Construir um amplo movimento em defesa da escola pública e da qualidade do ensino po¬de ser um caminho importante para a formulação de novas respostas para o atual momento da educação, que imprima um ritmo mais assertivo com a constituição da necessária unidade de ação dos movimentos sociais por mudanças estruturais no setor educacional.

Por uma reforma profunda da Universidade

Apesar de representarem importantes instrumentos de luta pela Reforma Uni¬versitária, o PDE e o PL 7200 estão longe de esgotar a batalha de sentido históri¬co por uma Universidade profundamente renovada e plenamente apta a contribuir para a construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento. Na verdade, só com a efetiva democratização da so¬ciedade será possível um sistema educacional real¬mente democrático e inclusivo. Por isso a reforma da educação, para cumprir seu papel estratégico de construção de um país mais justo e soberano, não pode ser pensada isoladamente. Outras reformas precisam ser impulsionadas por aqueles que defen¬dem um novo projeto de país.

A grande virtude de iniciativas como o PDE e o PL 7200 é a de colocar o debate educacional no centro da agenda política do país. Com o Plano de Desenvolvimento da Educação, o governo tenta ven¬der a idéia de um plano para educação vinculado a um outro para promover o desenvolvimento, o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Mas a estru¬tura de ambos não permite que sejam considerados verdadeiros projetos de Estado, pois não tratam de questões es¬truturais, mas apenas de ações conjunturais e focalizadas. Falta-lhes caráter sistêmico, com objetivos, metas e eixos como as que te¬mos no Plano Nacional de Educação (PNE). É preciso interligar as diversas áreas de Es¬tado, visando atingir resultados não apenas quantitativos, mas também qualitativos.

A universidade brasileira precisa conhecer uma profunda reforma das estruturas acadêmicas. Sem prejuízo da formação técnica e habilitadora, a uni¬versidade deve assumir forte compromisso com a cultura humanística, abordando o ensino de for¬ma generalista e interdisciplinar. Para isso muito contribuiria a implantação de ciclos básicos na graduação. Além de nivelar o conhecimento en¬tre os estudantes que tiveram menos condições de acesso a uma formação qualificada, os ciclos básicos podem garantir um conhecimento menos fragmentado. Uma formação mais voltada ao sa¬ber livre e desinteressado só será possível com a ruptura da lógica dominante de um ensino tecni¬cista, agrilhoado pelos ditames do mercado e das corporações profissionais.

Para alcançar plenamente seus objetivos, a imple¬mentação de ciclos básicos deve ser acompanhada do fim do sistema departamental de organização. Os departamentos reforçam a política de “feudos aca¬dêmicos” e representam enormes entraves ao efetivo exercício da interdisciplinaridade do conhecimento, bem como à possi¬bilidade de criação de novos campos do saber a partir do maior diálogo entre as diversas áreas científicas.

É possível cons¬truir uma universi¬dade efetivamente criativa, livre da educação de cará¬ter escolástico, que construa novas for¬mas de aprendizado, valorizando ativida¬des extra-sala-de-aula como a pesquisa, a reflexão coletiva, o debate, a cultura, o esporte, a extensão. Tudo isso vai exigir, contudo, uma profunda revisão não apenas na forma de organização dos cursos, mas também nas metodo¬logias do processo de ensino-aprendizagem.

É possível um modelo radicalmente diferente de formação universitária, que articule de forma inovadora o ensino, a pesquisa e a extensão, capa¬citando o estudante a “aprender a aprender”. Tais características são fundamentais neste mundo cada vez mais interligado e movediço, chamado por mui¬tos de “sociedade do conhecimento”. Rápido em suas transformações e caracterizado por ambientes complexos e dinâmicos, marcados pela competitivi¬dade e pelo risco, esse novo ambiente traz novos e grandes desafios, e é para eles que a Universidade brasileira precisa estar voltada.

Flávia Cale é Estudante de História, diretora de uni¬versidades públicas da União Nacional dos Estudan¬tes (UNE) e Fábio Palácio é Jornalista e presidente do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ)

Bibliografia
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EDIÇÃO 94, FEV/MAR, 2008, PÁGINAS 29, 30, 31, 32, 33, 34