Para que me deste, ó Trópico,
as mãos tão cheias de cor!
Tudo quanto eu toque
se encherá de sol.
Nas tardes sutis de outras terras
passarei com os meus ruídos de vidro tornassol.
Deixa-me por um instante
deixar de ser grito e cor.
Deixa-me por um instante
mudar o clima do coração,
beber a penumbra de uma coisa deserta,
inclinar-me em silêncio sobre um remoto balcão,
afundar-me no manto de finas dobras,
dispersar-me nas margens duma suave devoção,
afagar docemente as cabeleiras lisas
e escrever com um lápis bem fino a minha meditação.
Oh, deixar de ser um só instante
o ajudante-de-campo do Sol!
Para que me deste, ó Trópico,
as mãos tão cheias de cor!

 

Grandes vozes líricas hispano-americanas
Seleção e Tradução: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira
Editora Nova Fronteira – edição 1990