É uma manhã fria de domingo,
Embora arda o sol.
São os primeiros dias da primavera gaúcha.
E caminho por uma quase deserta
Borges de Medeiros.

Adentro-me a uma pequena praça defronte
Aos restos do cinema Capitólio.
E encosto o rosto
Na enrugada pele de um centenário cipreste
Que imagino ter sido tocada pelas tuas mãos.

Presumo que caminhavas muito por essa calçada
Que margeia o cais do Guaíba.
Então sob um olhar
Assustado, aquoso e azul de um barqueiro
Beijo o chão que foi pisado por ti.

Procuro vestígios teus por toda parte:
Em frente à Escola Militar
Assisto em honra à pátria
Ao desfile de teus conterrâneos.
Se tivesses tombado nos campos da Itália,
Eu jogaria um botão de rosas
No parque Farroupilha ao pé
Do Monumento aos Heróis.
Mas morreste, poeta,
Como uma centenária árvore morre.
De tanto nos dar flores, de tanto parir frutos.

Como posso homenagear-te, então?

Bebo um bom vinho das serras de tua terra,
E dou o meu rosto à carícia cortante do minuano.
Lá na Ilha da Pintada, numa festa de pescadores,
Enquanto saboreio uma tainha assada na taquara,
Deslumbro-me com a lua
Banhando-se nua no Jacuí.
Contemplo o teu porto que ficou
ainda mais alegre, com
Tua poesia, poeta.
No Largo em frente ao Mercado
Atiro um pastel de carne
A uma cadelinha grávida, faminta e sem dono;
Ela me diz alguma coisa e eu a entendo
Porque aprendi contigo, Quintana,
O idioma dos bichos, das pedras,
Das águas e das plantas.

Que mais posso fazer para alegrar-te,
Cidadão de Alegrete?

Com o alçapão da memória prendo para sempre
Dentro de mim, um passarinho
Que saltita e trina nos galhos de um ipê lilás.

Olho para ti e vejo um ar de censura,
Dize-me: – a homenagem não está completa

Então,
Com a delicadeza e a pureza de tua poesia,
– Quintanamente –
Beijo uma gaúcha.

Mas ninguém beija uma gaúcha impunemente.

Ela faz de mim
Um cavalo crioulo,
Espora minhas coxas,
E conduz-me às missões do afeto,
Aos pampas da paixão,
Aos campos do carinho,
À aridez dos desertos da solidão,
Morde minhas ancas e arrasta-me
Às alcovas de Porto Alegre dos Casais,
E lá me faz galopar às fronteiras da loucura.

(Na serra atirou-me à relva alva de neve
E deitou-se sobre mim, caliente,
– Um caule de pinheiro incandescente.)

 

As delícias do amargo & uma homenagem: poemas
Adalberto Monteiro
Editora Anita Garibaldi – edição 2005

Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).