A gente quer um plano Marshall pós-colonial
Cinco séculos de colonização e globalização em meio mundo lesam muito mais do que dez anos de guerra num continente. Entretanto, nem com o terrível antecedente de duas grandes guerras mundiais e pedido de perdão do Papa dirigido aos Índios e Negros vitimados pela Colonização, a comunidade internacional não se moveu no sentido da reconstrução de ex-colônias com a eficácia de um Plano Marshall, por exemplo.
A oportunidade desta reflexão poderá ser a Amazônia. Seria uma pena se o vindouro Fórum Social Mundial, em 2009, saísse de Belém do Pará de mãos abanando sem mostrar a cara amazônica para o Brasil e o mundo, além de requentar chichês. Aí a farra terá sido um inútil evento turístico a custar os olhos da cara (inclusive, aos cofres públicos) perdendo-se rara ocasião de montar o cavalo selado do desenvolvimento regional ecossustentado.
Outrora foi dito que a guerra é assunto muito sério para ficar em mãos dos generais, agora se pode afirmar que a democracia é coisa séria demais para ficar nas mãos dos políticos. E o desenvolvimento sustentável à mercê do discurso hegemônico de kingOngs endinheiradas. Agora é a vez e a hora da democracia participativa: isto é, de ativa participação dos cidadãos nos negócios públicos. Democracia participativa quer dizer autogestão e poder local. O que implica educação continuada e à distância.
A cidadania do século 21 pega carona da revolução tecnológica e democratiza informações de interesse público. Ou, então, a globalização pega, mata e come… Transforma a velha democracia “representativa” em cavalo de Tróia da pior tirania; o big brother que Georges Orwell denunciou em “1984”.
Mostrar a cara da gente e dar voz ativa ao povão no espaço aberto que se chama FSM é maneira de valorizar – desde já e depois! – o coffee-break, o data-show, workshop e todas mais inglesias de praxe da modernidade desvairada.
A língua portuguesa com certeza, portadora dos Descobrimentos marítimos, da utopia evangelizadora do Quinto Império do Mundo; púlpito de Vieira, harpa de Pessoa e espírito da diversidade de Agostinho da Silva… terá por missão doravante dar notícia amazônica do novo Novo Mundo.
Um passarinho me contou que, segundo a lição perene de Nelson Mandela; a maré vai estar pra peixe em toda e qualquer iniciativa popular que vise, efetivamente; a reduzir o apartheid Norte-Sul.
Isto que faz até hoje, com que 80% (oitenta por cento) da renda do planeta Terra fique concentrada em mãos de uma rica quinta parte da população mundial. E, na margem oposta, uma paupérrima quinta parte da humanidade tenha que se haver tão-só com menos de 2 % (dois por cento) da dita renda.
Mais, interessante do que isto é mostrar a globalização da miséria, desde quando, há 500 anos; abriram-se as veias da América tropical, África e Ásia numa sangria sem fim. Mas, a sociologia pós-industrial está a mostrar que Ócio e liberdade para todos é um negócio mais interessante que o estressante movimento de apostas nas bolsas de valores.
Além do eixo turístico e centro histórico da metrópole da Amazônia, como nos subúrbios de Paris e Nova Iorque; a patuléia se confina atrás da paisagem mato adentro. Em meia hora de barco pelas ilhas do Pará o viajante mergulha num passado de três séculos atrás. Quando o padre Antônio Vieira andava à cata do Bom Selvagem para o converter em bom cristão. Acredito eu que a geografia dual está por toda a parte. Ou seja, o terceiro-mundo mora à ilharga do primeiro, e o primeiro-mundo se enclava charmoso no triste coração do terceiro.
Se isto não é apartheid eu não me chamo mais Dom Sebastião Trindade do Espírito Santo Vieira Pessoa da Silva, cavaleiro andante da Távola Redonda cristianizado por necessidade e acaso. Donde o plano Marshall, em honra de São Marçal depois do dia de São Pedro; deve virar Plano Mandela de reconstrução pós-colonial.
Tomara que meu parente Agostinho Batista de Muaná, que ultimamente anda meio sumido pelos caminhos do mundo em busca de meios para sobreviver, compareça ao FSM em 2009. Pedirei a ele, então, que cante uma chula dizendo tudo aquilo que ora eu queria dizer em prosa às Senhoras e Senhores.
Primeiro, agradecer a todos que atenderam ao apelo do Ver-O-Peso. O qual houve começo com os “Vândalos do Apocalipse”, depois “Grupo do Peixe Frito”, enfim “Academia do Peixc Frito”. Com o centenário de nascimento de Dalcídio Jurandir (10/01/1909-16/06/1979), renasceu a academia: nosso permanente FSM (fórum solidário marajoara).
Ao fim do ciclo do extremo-norte a cobra grande Boiúna morde a própria cauda: toda vanguarda implica, certamente, retorno ao país natal… O tempo dos avós a cada cinco ou seis gerações é a história do futuro dos netos! A circularidade do tempo arqueológico inseparável da história contemporânea de todas épocas.
Tal deveria servir de inspiração a uma iniciativa Marajoara em direção ao FSM em prol da criação de um Plano Mandela de reconstrução pós-colonial destinado à revitalizar comunidades tradicionais depauperadas pela colonização, notadamente ao amparo do programa “o Homem e a Biosfera”, da Unesco. Na Amazônia ribeirinha, uma ação tal como desejava o fundador do Museu do Marajó, Giovanni Gallo; como “plano de desenvolvimento cultural” em benefício de comunidades remanescentes dos antigos índios marajoaras.
José Varella – da Unilivre-MAM / Museu do Marajó www.museudomarajo.com.br
Belém, 25 de fevereiro de 2008.