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    Comunicação

    Balada dos dois avós

    (1902-1989) Sombras que eu vejo, eu tão-só, me escoltam meus dois avós. Lança com ponta de osso, tambor de couro e madeira: meu avô negro. Gorjal no largo pescoço, gris armadura guerreira: meu avô branco. Pé desnudo, torso pétreo, os do avô negro; pupilas de vidro antártico, as do avô branco. África de selvas úmidas […]

    POR: Nicolás Guillén

    2 min de leitura

    (1902-1989)

    Sombras que eu vejo, eu tão-só,
    me escoltam meus dois avós.

    Lança com ponta de osso,
    tambor de couro e madeira:
    meu avô negro.
    Gorjal no largo pescoço,
    gris armadura guerreira:
    meu avô branco.
    Pé desnudo, torso pétreo,
    os do avô negro;
    pupilas de vidro antártico,
    as do avô branco.

    África de selvas úmidas
    e de gordos surdos gongos…
    – Eu morro!
    (Grita meu avô negro.)
    Água-lama de caimães,
    virentes manhãs de cocos…
    – Me canso!
    (Grita meu avô branco.)
    Ó velas de amargo vento,
    galeão ardendo em ouro.
    – Eu morro!
    (Grita meu avô negro.)
    Ó costas de colo virgem,
    enfeitadas de avelórios…
    – Me canso!
    (Grita meu avô branco.)

    Ó puro Sol repuxado,
    prendido no aro do Trópico;
    ó Lua redonda e limpa
    por sobre o sonho dos monos…

    Quantos barcos, quantos barcos!
    Quantos negros, quantos negros!
    Que longo fulgor de canas!
    Que látego, o do negreiro!
    Sangue? Sangue. Pranto? Pranto.
    Veias e olhos entreabertos,
    e madrugadas vazias,
    e entardeceres de engenho,
    e uma grande, forte voz,
    despedaçando o silêncio.
    Quantos barcos, quantos barcos!
    Quantos negros!

    Sombras que eu vejo, eu tão-só,
    me escoltam meus dois avós.

    D. Frederico me grita,
    e Pai Facundo se cala;
    dentro da noite os dois sonham,
    e andam, andam.
    Eu reúno-os,
      – Frederico!
    Facundo! – E eis os dois se abraçam.
    Os dois suspiram. Os dois
    as fortes cabeças alçam;
    os dois do mesmo tamanho
    sob as estrelas tão altas:
    os dois do mesmo tamanho,
    ânsia negra, e ânsia branca,
    os dois do mesmo tamanho,
    gritam, sonham, choram, cantam,
    cantam… cantam… cantam…

    Grandes vozes líricas hispano-americanas
    Seleção e Tradução: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira
    Editora Nova Fronteira – edição 1990

    * Os versos 9, 10, 11 e 12 não constam no livro El son entero, de Nicolas Guillén. (N.T.)