Na pós-modernidade, as letras serão mais independentes e livres portadoras de idéias graças ao copyleft, trocadilho de copyright (direitos de cópia). Onda que está começando, novo modo de usar direitos autorais e remover barreiras à livre utilização, difusão e modificação de uma obra devido à normas de propriedade intelectual, O copyleft difere do domínio público, dentre outras coisas porque autores e criadores o aplicam a seus trabalhos para oferecer oportunidade a um grande número de pessoas que se sintam estimuladas a contribuir ao aperfeiçoamento da obra num processo criativo continuo.

      Assim mesmo, ninguém pode se apropriar exclusivivamente do processo e  impedir a terceiros o uso e participação de evolução da mesma. A produção cultural demonstra plenamente o espírito de comunidade que deve presidir a evolução humana consciente e crescente, desde a física e a complexidade biológica e mental inconsciente. Filha da animalidade a humanidade, necessariamente, engendra Arte. A prosa e poesia, por exemplo, são como flor ou ápice de extenso complexo cujas raízes se acham mergulhadas no húmus da terra e alimentam o homem de feijão e sonho. Com esta ótica, todo desenvolvimento significa desenvolvimento cultural: no caso da Amazônia, a práxis inventada por um padre fora de série, chamado Giovania Gallo (www.museudomarajo.com.br) vale mais do que todos os planos de “desenvolvimento” da região. Pois que o conceito aplicado sobre ruinas de sítios arqueológicos na ilha do Marajó não são apenas teses acadêmicas e exposições para a elite: mas, a reconstrução cultural do povo pelo próprio povo remanescente de uma civilização perdida.

      Neste exemplo singelo, num recanto perdido do Novo Mundo, está prova pela qual revoluções caminham inelutavelmente para sua própria contradição e fim em ondas de ascenção, decadência, renascença e/ou revitalização. Pois, o verdadeiro desenvolvimento deve ser re-evolução cultural permanente: infinita sucessão de “vidas” e “mortes” indivíduais para que a espécie sobreviva e o mundo se renove em ciclos e séculos. Não na reprodução cafona da experiência acumulada (a história só  se repete como farsa).

      A inviduação é um processo criativo que ocorre dentro da coletividades e em  dados espaços-tempos. Não se faz Portinaris e Villas-Lobos em série nem em qualquer tempo e lugar. Daí por que regiões naturais da Terra devem ser especialmente descolonizadas e cuidadas como nichos de regeneração ou proteção da biodiversidade e diversidade cultural; formando cadeias de preservação da biosfera. Refúgios onde homens, plantas e animais dependentes uns dos outros – sob soberania responsável do respectivo estado-nação –  recebam os recursos necessários da sua sobrevivência a título compensatório da enormissima destruição causada ao planeta por cinco séculos de acumulação primitiva, saques e desperdícios.

      A Arte é a “esfera” criada pelo homem em relação dialética com a Natureza. A natureza humana implica invenção e arte. Se a biosfera é o meio vital complexo onde a cultura acontece, desta base material promanam, em última análise, as idéias: então, fica sem nexo discutir o sexo dos anjos, tanto quando quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha… O fenômeno mental, em sua totalidade, já recebeu nome de noosfera, visto como "esfera do pensamento" (definição derivada do grego nous, "mente") em sentido semelhante à atmosfera.

      Se o mundo é criação original de um ser pré-existente ou resultado de um jogo físico-químico cósmico, uma “alquimia” infinita; é questão bizantina que pode ser adiada para dar atenção à vida prática dos viventes aqui e agora e acordo universal sobre a Ética da paz e do amor. É justa a paz sem justiça? Deve o oprimido amor ao opressor? A liberdade é separável da responsabilidade? Quais os limites do direiro à vida? Evidentemente, a espécie humana deve às demais espécies a sua gênese, desenvolvimento e conservação. A utopia messiânica dos profetas da Bíblia não deve ser menosprezada nem ridicularizada…

      Crer ou não crer exige moderação e respeito pela opinião alheia. Tão nefasto como o padroado português, foi o ateísmo de estado soviético. O que faltaria talvez para advento do mundo pós-moderno era releitura do Profeta pelo Ocidente; quando, pragmaticamente, aquele ensina: se a montanha não vem a Maomé, Maomé vai à montanha…  Quem sabe faz a hora. Mas, a sabedoria milenar do Oriente faz caminho diferente e espera acontecer aquilo pelo qual trabalha, noite e dia, durante cem anos. Todavia, entre um lado e outro do mundo talvez o melhor negócio (“não-ócio”) fosse uma nova espécie de Ócio, como caminho do meio entre a preguiça e o império do trabalho.

      Toda utopia ou profecia não é fatalidade, mas a meta superior de um ardente desejo coletivo. As migrações do Caribe para a Terra-Firme queriam alcançar a constelação do Cruzeiro do Sul e inventaram a Amazônia ribeirinha, depois da circunavegação do Rio Negro… As Ilhas Afortunadas mexeram com a imaginação dos marinheiros de Colombo, sem os quais o almirante não arranjaria tripulação para suas naus.

      Agora, o messiânico Espírito Santo ou a inteligência coletiva filosofal desperta o alarme geral da responsabilidade humana sobre a sobrevivência da humanidade. A babel de alegorias e metáforas, tidas e havidas como dogmas e verdades absolutas, reflete a crise e reclama re-interpretações e elaborações de metalinguagens. Na Idade Média, teólogos convencionaram que a criatividade seria dom do Santo Espírito.  Mas, o racismo e etnocentrismo dos bons cristãos diabolizou o Espirito dos outros, como Sartre explica. Depois da terceira onda industrial, alguns intelectuais acreditam poder traduzível em bits a inteligência coletiva acumulada em séculos através de diversas gerações. É o que pensam, pelos menos, filósofos como Pierre Levy.

      Não há nenhum discurso igualzinho ao outro, nem nenhuma “obra-prima” que não tenha nada dejà vu. A singular Clavis Prophetarum (chave dos profetas) do Padre Antônio Vieira é estuário da cultura apocalíptica medieval e, ao mesmo tempo, divisor de águas entre a escolástica barroca e a modernidade; a poética de Fernando Pessoa está prenhe de sebastianismo importado de Vieira e universalidade; vai contribuir à premonição pragmática de Agostinho da Silva onde a lusofonia transcende a Portugal e Brasil para se firmar no oceano da Latinidade. Agora, convertida do velho imperio pela complexidade antropoética de Edgar Morin.

      Entretanto, faltaria tropicalizar, muito além de Gilberto Freyre; o imenso patrimônio latino para uma síntese plena entre os mares do Sul e do Norte. Por acaso e necessidade, na Amazõnia: “última fronteira da Terra”.  Aí, então, a mistura louca e subversiva do “Quinto Império” com o mito da “Terra sem mal” – coração e mente da cultura marajoara pós-moderna – o Estuário amazônico, laboratório ideal do novo Novo Mundo.

      Todavia, quem será o acadêmico temerário para assumir tamanho risco de dizer besteiras sem arruinar o diploma de doutorado? Basta o purgatório vivo ou inferno verde aonde penaram Vieira, Dalcídio Jurandir e Giovanni Gallo para revelar este mundo de águas e terras alagadas. A diversidade de tempo e coincidência de espaço nestas três vidas, entrelaçadas pelo acaso e a necessidade duma do fim do mundo. A cultura antropofágica das ilhas filhas da Pororoca é patente: ontem a eucaristia selvagem tupinambá ao vivo, hoje a irmandade simbólica e comunhão do Sagrado Coração de Jesus! Maçonaria neotropical e invenção cósmica do beato José de Anchieta em terras do Cruzeiro do Sul para desencantar o Mistério. Haja tempo e paciência para Arte e Ciência!