Segundo informa a própria Editora, esta é a primeira vez, fora da Alemanha, que as sete partes do manuscrito de Marx e Engels sobre Feuerbach são apresentadas ao leitor como textos independentes, em sua fragmentação originária, sem sofrer as montagens mais ou menos arbitrárias imputadas pelos diversos editores (desde a edição de Riazanov, em 1926) à obra.

Esse tratamento editorial esmerado levou à descoberta de que Marx e Engels, até o fim de 1845, não haviam concebido o plano de escrever A ideologia alemã, pelo menos não com esse título. Apartir de um artigo de Marx intitulado “Contra Bruno Bauer”, em novembro de 1845, nasceram os manuscritos que, meses mais tarde, dariam corpo ao projeto inacabado de A ideologia alemã. Concluída em 1846,
A ideologia alemã foi o primeiro livro escrito em parceria por Karl Marx e Friedrich Engels, com o objetivo de criticar os “jovens hegelianos”, principalmente os filósofosLudwig Fuerbach, Bruno Bauer e Max Stirner, como produtores de uma ideologia alemã conservadora, apesar de se autodenominarem teóricos revolucionários.

Marx aponta para o fato de esses filósofos apontarem transformações apenas no plano do pensamento sem nunca terem alcançado a realidade concreta. Ao criticar a teoria hegeliana eles não rompem, segundo Marx, a falsa noção de que o espírito humano é o sujeito da história e não a atividade humana.

A produção da consciência

A ideologia alemã reafirma que a premissa de toda história humana é a existência de indivíduos humanos viventes. Não é a consciência humana que determinada a vida (ou o ser). É a vida material que determina a consciência. Ou seja, o ser determina o saber, a existência determina a consciência.

Segundo afirmam Marx e Engels, podemos distinguir os homens dos animais não apenas pela consciência, mas assim que começam a produzir os seus meios de vida, transformando a natureza e as próprias relações entre os homens. O que quer dizer que ao produzirem os seus meios de vida, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material.

Para Marx, em todo processo de produção tem de existir a divisão do trabalho. Portanto, o problema está no modo como essa divisão se processa. A divisão dos “meios de produção” X “trabalho” gerou proprietários e não-proprietários. A riqueza foi criada pela exploração do trabalho.

Os homens que desenvolvem a sua produção material e o seu intercâmbio material ao mudarem esta realidade, mudam também o seu pensamento e os produtos do seu pensamento. Portanto, não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência.

A relação entre a produção material e a forma correspondente de intercâmbio constitui o modo de produção. As formas de intercâmbio, as relações de produção, de início se apresentam como condição para a produção material. Mais tarde, convertem-se em travas desta produção. A forma de intercâmbio é substituída por outra nova, de acordo com o desenvolvimento das forças produtivas. E isto se dá através da luta de classes. A história é, pois, entendida como um processo, uma sucessão de correspondências entre forças produtivas e relações de produção. E o motor deste processo, o motor da história é a luta de classes. Este é o eixo do materialismo histórico, que será desenvolvido mais tarde no Manifesto do Partido Comunista.

A divisão do trabalho, para Marx e Engels, tem particular importância no desenvolvimento histórico. Primeiro ele se baseia na diferença dos sexos. Depois, nas diferenças de forças físicas entre os indivíduos. Com o surgimento da propriedade a divisão de trabalho social acentua-se. A partir do momento em que alguns homens se apropriam das riquezas produzidas e se consideram proprietários delas – criando a propriedade privada – surgem as classes sociais e as relações entre os sexos também sofrem profundas mudanças. Vale destacar que, ao analisar o papel da reprodução, Marx e Engels atribuem estatuto teórico à questão da opressão de mulher ao desvendarem o processo histórico de opressão de classe e de gênero. E derrubaram os pilares da tese fatalista da base natural da opressão da mulher.

E por fim existe uma separação entre o trabalho manual e o intelectual. O trabalho de pensar passa a ser função de um segmento privilegiado da classe dominante, enquanto o trabalho manual passa a ser exercido pelos explorados. Quando a tarefa de pensar passa a ser exercida por um pequeno número de indivíduos desvinculados do trabalho produtivo a consciência destes indivíduos desvinculada da prática imagina ser uma entidade em si. As idéias dominantes de uma época são as idéias da classe dominante.

Olivia Rangel é jornalista, doutora em Sociologia pela PUC/SP

EDIÇÃO 95, ABR/MAI, 2008, PÁGINAS 80, 81