Tua nobre vida quase centenária, tua vida exemplar
A eterna poesia da tua resistência jamais morrerá…
Teus irmãos sabiam desde sempre que tu não morrerias jamais
Como não morreu a radicalidade poética de Léon Damas
Como o humanismo de Senghor vive no coração da Negritude
Planetária.

Tu, Mestre dos mestres, ensinaste a todos primeiros e terceiros
Mundos e fundos que todos nós somos filhos da mãe África
Todos somos negros da Terra, não importa branco ou amarelo
Enquanto cativos do império do Trabalho
Oh, sim, se não houvesse África não existiria mundo
Se não existisse negrura, não haveria brancura
E todas mais variações racistas intermediárias
Entre o amor e a dor
Entre a esperança e o medo
Entre a paz e a guerra.

 “Et elle est debout la négraille
 la négraille assise
 inattendument debout
 debout dans la cale
 debou dans les cabines
 debout sur le pont
 debout dans le vent
 debout sous le soleil
 debout dans le sang
 debout et libre.”

As armas do pensamento e as palavras miraculosas
Mais poderosas do que dinamite e a bomba atômica
Quando o sol se pôs sobre a baía de Fort-de-France
A grande noite veio enlutar a terra inteira
A primeira noite do mundo sem Cesário
Belém do Pará na inconsciência negreira do Ver o Peso
Cidade morena irmã da Martinica
A desconhecida negritude cosme e damião:
Amazônia-Caribe.

Bruno de Menezes e Dalcídio, irmãos de São Benedito da Praia
Orai pro nobis!
Amem-se, filhos e filhas do amado Cesário!
Sobre todas as fronteiras do mundo, além de ilhas e antilhas
Além dos mares e metrópoles imperiais
Além das muralhas de fortes conquista/dores
Façam amores e mandem flores à Tristeza
proclamem o Carnaval geral:
Academia do peixe frito, canhapira e azeite de patauá…
Os gados do rio das Amazônias verde e azul
Os desterrados povos da floresta
A negritude global para além da melanina
Todos os negros da Terra
Os deuses da África estão em festa e dançam ao som do tambor
Todos nós de olhos escuros ou claros estávamos insones
Súbito de pé com a notícia da Martinica!
A negrada sentada e triste
Inesperadamente em pé
De repente, não menos que de repente
Romperam-se as correntes
Reta, erecta sobre os porões de navios cargueiros
Antes acorrentada em navios negreiros
Agora em pé nas cabines de comando
Sobre o convés finalmente em pé
De pé contra o vento, de pé debaixo do sol
Levantando-se do sangue e da morte
De pé e livre para sempre.

 

Belém 17/04/2008 (dia da morte de Aimé Césaire)