Nem bem tinha crariado o dia, o Marigheti já tava de pé. Custumado co´as pescaria, passô parte da noite arrumano as tráia. Foi até o quarto e viu que a muié tava durmino que nem um anjo. Caçô uma panela pra mode fazê um móca, aperparô o moinho de café com uma medida bem cheia, prum café forte, e foi virano a manivela devagarim. O chero do café moído na hora recendeu até no quarto.Tava ali intertido, quando iscuitô um chamado:

      – Quê que tá fazeno, Marighetti?, gritô a muié, lá do quarto.

      – Vô passá um móca pra nóis, respondeu ele.

      – Num quero não. Vô ficá na cama mais um cadinho. Sua matula tá pronta no forno do fogão. Pega o emborná amarelo que é maior. Asso no dedo o pexe cocê pegá!, brincô ela.

      – Credo muié, tá me agorano?

      – Num tô não. Vai com as arma bendita!.

      – Vê se dorme. Tô esperano o cumpadre Zé Matos. Ara, que aquele porquera nunca chega!.

      O Marighetti então vai até o fumero do fogão de lenha e cata uma páia de mío pra mode fazê um pito. Escói a páia mais macia, arranca e corta as duas ponta cum canivete. Desdobra a páia e prende ela entre os dedos pai-de-todos e fura-bolo da mâo esquerda, enquanto cum a direita pega um tôco de fumo de corda. Corta fininho na parma da mão direita; cum a esquerda fecha o canivete e abre a páia, onde é distribuído de por ingual o fumo goiano cheroso. Enrola o cigarro bem apertado pra mode ficá bom de fogo e num faiá, dexa um dedo maomeno de páia sem enrolá, que ele móia cum guspe e fecha o pito. Oía pro fogão onde a água já tá ferveno. Despeja cinco cuierada de açúca cristar i espera fervê de novo, do lado aperpara o cuadô. A água ferve, tira a panela do fogo e despeja o pó de café indentro da panela. Dá uma mixida e dispeja no cuadô. A casa intera fica recendeno. Inquanto o café vai passano, ele cata um tição no fogão e acende o pito. Dá uma tragada longa, a brasa do cigarro corre quage na metade, vai até a janela e gospe lá fora, onde os cachorrro tavam deitado. Ele se ri das currida que os cachorro dá, vorta pega a caneca esmartada e enche até a boca.

      – Qué café , muié?.

      – Ara, num quero, já falei.

      – Tá bão.

      Nessa hora arguém bate parma na porta. Era o cumpadre Zé Matos pedino discurpa, mas num podia í pescá mais ele.

      – Que aconteceu , cumpadre?

      – A minha minina mais nova tá co´as pinta de sarampo. Vô tê que levá ela pro dotô cuidá.

      – Tá certo, intão eu vô suzinho.

      – Vai cum Deus cumpadre. Inté!.

      – Inté.

      O Marighetti deu uma olhada lá pra fora. Céu azur. Sór fraco, pôcas núvis.

      – Ô dia bão pra pescá, sô! Esse cumpadre é um tôco ( falava isso naquele trejeito de Riberão Preto), tôco era pessoa qui não sai das inércia, fica parado que nem largato no sór.

      Vara jogada nos ombro, matula cheia cum dois carderão de cumida: um cum custela de porco, fejão i angú; o outro cum macarronada de macarrão padre-nosso cum tumate do mato e muita carne moída.

      Cum a ausência du cumpadre Zé Matos, ele rearmente se decidiu de ir suzinho. Trançô os dois emborná nos ombro, mais um saco de istopa cum uns apetrecho: fumo de corda, binga,páia de mío,garrucha de dois cano, munição, canivete, uma penera, uma cuié e uma frigidera.

      Chegô na bêra do rio, bem numa curva, onde os pexe móra, acumpanhado pelo cachorro Viajante, preto que nem jabuticaba. Ele acomodô os apetrecho nos gaio duma goiabera, iscô os dois anzór. Malemá os anzór caiu nágua, uma das vara já imbodocô, mandi amarelo de mais de um quilo, malemá tirô o mandi do anzór, a outra vara já vergava, cum ôtro mandi. Devorveu um anzór, e uma piaba de mais de um quilo fez a linha de aço cantá, i mais ôtro, mais ôtro, o tercero, o quarto , o quinto, o sexto, e as fiera de pexe foi creceno a ponto de arrebentá.Oiano praqueles pexe ele arrastô mala prele mêmo, dizeno:

      – Agora eu quero é pegá um dorado!.

      Colocô os pexe no saco, pra mode livrá das furmiga e dos mosquitinho pórva. Feis o Viajante saí de perto. Ai dismontô a vara mais forte, incastoô o anzór de duas barra na linha 1,2 e pensô: – i a isca?

      Catô uma penera, tirô a ringidera dos pé i entrô na água fresca. Foi passano a penera nos capim das bêra do rio: lambarí tava difíci, mais pegô duas inguía!. Saiu do rio, carçô as ringidera, i iscô uma inguía no anzór de dorado. I ficô alí esperano, uma, duas, três hora, nada. O sór tava arto. Parecia mais de mei-dia. O Viajante tava cum cara de fome. Largô a vara na espera, ispetada no barranco e foi percurá uma sombra boa pra pudê cumê em paz. Sem muito custo encontrô uma árve bem sombreada. Catô fôia de mamona i forrô o chão pra se refrescá e cumê. Bateu a macarronada de cabo-a-rabo; só dexô um quaje nada pro Viajante. Deu um sono, durmiu. Acordô pra mais das três hora, cum o Viajante oiano prele. Foi na bêra do rio. Nada de dorado.Puxô o anzór, trocô a isca, jogô de novo.o viajante saiu correno atrais duma piriá e azulô da bêra d´água.

      Perparô um pito, du jeitim que gostava, mas em antes, foi até a sombra onde tava a matula e comeu o ôtro carderão de cumida, dexano menos que a metade pro Viajante. Se apercebeu que o viajante já tinha armoçado, pruquê vortô cum a boca suja de sangue e peloda piriá. O viajante oiô prêle e deitou quietinho, dormino que nem um cão. O Marighetti inté se riu dele mêmo. Tava ali pescano cum cachorro! Onde já se viu? Vai tomá banho na soda, sô!; pensô, cum ar de fuzarca. Pegô o pito que tava na orêia, e foi andano pro lado da vara. Distraiu um cadinho e quage caiu nágua. Pena que o pito foi pra dentro do rio.

      – Ô diacho, resmungô.

      Vortô nas matula, pegô fumo e páia e fez ôtro pito. Pegô a binga e ficô ali na bêra do rio, assuntano a vara. Acendeu o cigarro e, distraído, derrubô a binga na berinha da água. Nesse instante iscuitô um barúio danado de grande. Viu um dorado de mais de dez quilo dano pinote dentro do rio e vindo na direção dele. Foi a conta de corrê no saco de apetrecho e catá a garrucha carregada e dá dois tiro no dorado, que deu o úrtimo suspiro em riba do barranco e co´a boca perto da binga.

      O Marighetti contô pra tudo mundo; e eu tô de aprova, que quando se deu por conta, viu que além dum fiapo de capim na boca, o dorado tinha o pito que caiu na água; decerto queria a binga pra acendê o pito!.

      Ele inté se benzeu e nunca mais pescô. E ocêis sabia que inté hoje tem gente que não credita nessa história!. Mas pode?

 Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.