Chega! Já foi longe demais o erro do estouvado Colombo: essa impostura ocidental. Esse percurso louco de saques e infâmias. Vejam que confusão as duas invenções coloniais infernais: as Índias acidentais e o “rio das Amazonas”… Matem logo o último “índio” e deixem viver, crescer e se multiplicar os povos originais do Brasil, seus confusos descendentes cafusos, curibocas, cabocos, caipiras, caiçaras e “parentes” quilombolas a se desenvolver sem mais estigmas de bárbaros selvagens depois de 500 e tontos anos de enganos e desenganos fatais.

        Abram sem medo o segredo das “calmarias”, a busca de especiarias da Índia. Aquela planejada escala de Pedro Álvares Cabral em embaixada ao marajá de Calicut. Fidalgo templário da Ordem de Cristo; protagonista daqueles inolvidáveis dez dias de abril de que conta a carta de Pero Vaz de Caminha, momento histórico excepecional, quando brasileiros de verdade e destemidos nautas portugueses folgaram, cantaram e dançaram juntos. A promessa mais fagueira do país do Carnaval em distribuir ócio para todos. Trinta anos antes do famigerado Tomè de Sousa (1530), chegar atrás com a bandida missão colonizadora, a extrair pau-brasil e escravizar “índios” para estragar a boa camaradagem entre bárbaros e civilizados frescamente começada na expedição de Cabral.

      Ao contrário do achamento e descobrimento português, a primeira viagem espanhola e descoberta do rio das Amazonas deu com os burrros n'água. Alguns meses antes de Cabral, o truculento Vicente Pinzón começou em Marajó por capturar os primeiros “negros da terra” (escravos indígenas). Foram 36 “índios” e uma inofensiva mucura apelidada como “Animal monstrosum”…

      Quarenta e dois anos depois, o capitão Francisco de Orellana desceu o rio grande passando fome, roubando comida, pelejando contra os “índios”. Mal ele escapou do perigo e da condenação à forca por crime de roubo e desersão, e já o descobridor hispânico voltou ao Grão-Pará (1544) para fundar a colônia de “Nueva Andaluzia” onde se extraviou e pereceu, talvez engolido pela cobra grande… Atrás de tamanha patranha vieram outros conquistadores em busca do ouro do El-Dorado no país das Amazonas: Barrio, Pedro de Úrsua, Aguirre e outros lobos que até hoje não deixam de chegar para assaltar, matar e devastar…

      Por isto, por favor à justiça e paz, digam logo a verdade: o Brasil varonil foi “achado” primeiramente no matriarcado do Grão-Pará (Amazônia, antiga terra dos Tapuias), missão real do cartógrafo português de Tordesilhas (1494), Duarte Pacheco Pereira. Veio ele a mando d'El-Rey para efetuar “in loco”, secretamente, medições do meridiano de Cabo Verde a fim de preparar o “descobrimento” do país do pau-brasil. Deu-se tal revelação na Bahia de Todos os Santos (1500).

      Agora, no século 21, terceiro milênio da era cristã; vamos, sobretudo, deslendar a História do Brasil. Divulgar o que a arqueologia ensina sem sofisma: a primeira sociedade organizada e artística brasileira nasceu na ilha grande do Marajó (cerca do ano 500 depois de Jesus Cristo): olhai pra isto, 1000 anos antes de Pedro Álvares Cabral!

      Nasceu na Amazônia ribeirinha nossa civilização tropical, uma gente filha da cobra grande Boiúna, aprendiz de peixe e afilhada da Jararaca (Bothropos marajoensis). História assim devia estar em primeiro plano nacional, porém ainda não aprendemos sequer que a nossa América de direito e de fato nos pertence há uns 10 mil anos atrás.

      Nós quem, cara pálida? Nós, americanos natos e adotivos, do centro, norte e sul do antigo “Pais do Vento” (Americ, na original língua maya): terra sagrada das montanhas ao redor do lago Nicarágua. Foi lá que a América nasceu. Os brancos do velho mundo nos roubaram até o nome original do Novo Mundo e em troca no deram nomes cristãos e o direito privado.

      Os deuses da América pré-colombiana são testemunhas que nós recebemos fraternalmente os primeiros peregrinos brancos em busca de tudo aquilo que todos os humanos buscam desde sempre, a partir do berço da humanidade no regaço da velha África. Aqueles cegos e surdos do velho mundo nos trataram e tratam ainda de “índios”…

      O que sucedeu desde então? Nossos parentes do Caribe foram os primeiros a receber patada na cara, naquele ano de 1492, que ficou sendo o primeiro da Conquista. Claro que os americanos originais não tínhamos apenas um calendário, uma língua, um rei, uma verdade absoluta, uma fé verdadeira e um mundo criado por um Deus único… Mas, vários e diversos mundos na mesma terra. Desde então fomos reduzidos à uma só ruina. Tal como o padre Las Casas falou na “Destruição das Índias”. Sim, Índias porque, aquelas orientais cobiçadas e estas ocidentais, inventadas e conquistadas. Éramos canibais de varejo por motivo de crença religiosa, nossos antepassados foram canibalizados em massa sob pretexto da religião imperial dos conquistadores.

      Agora, no fim da velha História, há que se perguntar quem mais perdeu nessa conquista de ódios recíprocos. Porque, é maior do que o engano de Cristóvão Colombo acreditar que o italiano Amerigo Vespucci deu nome à nossa antiga Americ centro-americana; e dizer que a civilizada Europa deu-se bem a custa de pilhagens do resto do mundo. Ora, nos temos pena dessa gente alienada e alienante; gente indiferente aos outros e tão rica, tão poderosa e tão triste como uma viúva triste… Peço perdão pela força da expressão. Mas, é verdade. Há muitos conceitos de riqueza, todavia nenhum deles exclui a alegria e o prazer de viver.

      Ou vocês acham felizes “brancos” (salvo raras exceções, aquém e além mar), com sua alta dependência de capital e consumo alienado? Eles são pobres em alegria, os nossos pobres brancos civilizados. Acreditam ainda que somos nós seus pobres “índios” e “cabocos” e “quilombolas” – oras bolas! –  à espera de que venham nos proteger e salvar de nós mesmos… Depois de milênios de sobrevivência neste nosso chão. O pior é que muitos negros, amarelos, vermelhos e mestiços (apenas para dar cor à humanidade) gostariam de imitar pobres brancos dilacerados por remorsos tremendos ou apenas suicidas enebriados, como Narciso pela própria imagem; não sei de quantos tipos de ópio a dopar corpos e espíritos.

      Oh, não pensem que a gente do Novo Mundo queira mal à gente do velho continente! Nada mais falso que este percalço. Pois nós – povos tradicionais – somos talvez a única possibilidade de salvar o planeta de um final terrível. Capazes de mostrar outro caminho. Se nossos irmãos brancos não fizessem ouvidos de mercador a palavras muitas vezes ditas por sábios homens do passado, fariam melhor em não prosseguir no caminho de Colombo, nem a queimar as caravelas de Hernán Cortez. Não sabem eles que a melhor parte da viagem é o retorno ao país natal? Por isto velhas tribos bárbaras faziam longas caminhadas só para poder ir e voltar contando a história dessas memoráveis jornadas às novas gerações…

      Seria melhor talvez, fazer igual àquele imperador da China antiga que mandou navegar o além-mar e depois disso desarmar a frota à espera de  melhores dias no futuro. Ou, então, como o lendário rei dos Mandingas com seus dois mil navegantes negros em caiaques a atravessar o grande mar Salgado (Atlântico) ao longo da corrente equatorial para misturar sangue negro africano ao vermelho americano. Com que teria feito espanto aos homens  de Colombo certos estes de ter visto “índios pretos” na ilha Haiti…

      Por certo, nestas águas do esquecimento há mais história do que suspeita  nossa vã historiografia, sepultada sem mais nada entre ruínas da América pré-americana… Me engana que eu gosto, seu Américo Vespúcio! Quando as três caravelas, emprestadas de má-vontade pelos desconfiados Reis Católicos a respeito da teoria da redondez da Terra; achou terra á vista e chegou finalmente às ilhas Guaanani (batizadas Salvador num jogo de palavras que escondem pistas, para o público o salvador Jesus Cristo; a iniciados da Diáspora o nome de irmão de sangue do Almirante)… Mas, sim, quando chegaram as barcas uma delas deu nos arrecifes e foi ao fundo com toda carga.

      Ora, aquele estrago para quem havia apenas a Pinta, a Niña e a Santa María representava perda de uma terça parte da frota… A caravela deu no baixomar, que do velho castelhano baja mar chegamos hoje as Bahamas… De tal sorte que a antiga ilha Guaanani, em língua dos tainos ou lucayos (islas de los Lucayos); naufragou e resta agora fora do mapa. Deste primeiro desencontro entre dois mundos resultou que os bárbaros meteram-se n'água entre tubarões a ajudar os estranhos viajantes e salvar seus pertences com a nave afundada. Os “índios” não mataram nenhum civilizado nem lhes roubararam uma agulha sequer, nem cobraram nada pelo serviço, diz a história.

      Em compensação, os cristãos arrastaram das Bahamas para o Haiti algo como vinte mil “índios” feito escravos para cavoucar o chão à procura de ouro. Os tais “índios” não tardaram a morrer de maus tratos e outros tiveram pior sorte, como por exemplo os tainos de Cuba caçados como bestas feras e depois de mortos despedaçados para ração de cães de caça ao índio selvagem ou fugitivo. Enquanto, isso a gentil Europa ávida de ouro e de escravos horroriza-se com a notícia de “índios” que se comiam uns aos outros. Os bons cristãos, então, mandaram destemidos missionários pelo amor de Deus civilizar selvagens até o fim do mundo, os quais em ingênua noção de fraternidade e às vezes com malícia do poder levaram ao “índio” brabo do sertão a verdade santa da religião, epidemias devastadoras e perdição irremediável da identidade e da terra como preço de barganha para ganhar o céu.

      No fim da história apocalíptica e da Colonização final e total, morra o fantástico “índio” de Cristóvão Colombo! Viva o genuíno homem americano! Pele-vermelha, os mayas, astecas, quitos, quichuas, aymaras… Os brasis kaygangs, tupi-guaranis, tupiniquins, tamoios, goiás, tabajaras, caetés, potiguaras, tupinambás… Vivam os tapuias amazônicos. Os bons selvagens Jê, Aruak… Os indomáveis Muras, Mundurukus, Apinajés, Aruãs, Mapuá, Maruaná, Guaianá, Makus, Maquiritares, Mayongong, Ianomami, Tukano, Baniwa, Taurepã, Wapixana, Mawe, Wai-Wai, Karipuna, Galibi, Tikuna, Oyampi, Palikur, etc., etc., etc…. Falem e cantem nas suas mil e uma línguas redevivas ou mortas.

      Mas, falando ou não o moderno espanhol, inglês ou francês; não renunciem a lusofonia adquirida a tão alto preço, nossa boa língua portuguesa aprendida com certeza a muque: gritem alto e bom som a língua-geral ou Nheengatu; os cabocos “saídos do mato” sem cachorro a pedir socorro. Sitiem agora cidades desalmadas na marcha silenciosa migratória, ocupem o espaço vazio de idéias e homens verdadeiramente humanos, lutem pelo futuro de vossos filhos e filhas; defendam os vitais direitos do mato, de fato. Brasil mostra a tua cara nativa!

 

Belém do Pará, 22/04/2008