Minha amada revolução
amada
minha amada
a revolução
não é um conto
e
uma borboleta
não é um elefante
como agarrá-lo
devagarinho
o menino ia comendo o peixe frito
assim como quem toca gaita-de-beiço
*
o passado
é uma laranja amarga
a chuva
cai de teus olhos
o vento
tem cabeça de galo
e
o jacaré
levou tua perna
pró palácio
de seu rei
*
a sul do sonho
a norte da esperança
a minha pátria
é um órfão
baloiçando de muletas
ao tambor das bombas
a sul do sonho
a norte da esperança
*
órfãos do império
filhos de engano
e
de paixão
mestiços de um pai
e
de quantas mães
que
o acaso juntou
e
separou
em chão que o tempo
mudou
e
o ar traz dependurados
aos ventos
órfãos do império
*
borboletas de luz
esvoaçando
de cadáver em cadáver
colhem
o fedor dos mortos em
vão
e
pelos buracos da renda
dos dias
passam álacres
do mundo do esquecimento
ao país da indiferença
levando consigo
o pólen fatal
das flores da guerra
borboletas de luz
*
distraída na verdura
a garça branca
repousa sobre uma pata só
apodrecido na morte
o soldado preto
nem pernas tem
Poesia Africana de Língua Portuguesa (Antologia)
Maria Alexandre Dáskalos, Livia Apa, Arlindo Barbeitos
Lacerda Editores – edição 2003