Cerca de dois mil jovens de todo o país participam da abertura da 1ª Conferência Nacional da Juventude

“Eu penso que esta conferência vai carimbar concretamente as obrigações do Estado brasileiro para com a juventude brasileira”
(Presidente Lula, 28 de abril de 2008)

Recomendações de uso (ou aviso aos navegantes)

A descrição do processo organizativo desta Conferência tem o objetivo explícito de registrar, sob um ponto de vista, uma experiência historicamente determinada. Por outro lado, várias questões suscitadas pela conferência surgiram a partir de apostas que fizemos e dos resultados práticos que trouxeram. Em outras palavras a Conferência foi também um laboratório político, conceitual e organizativo. Por isso, a idéia é que este texto também seja lido nas entrelinhas.

Elementos de um cenário

Entre os dias 27 e 30 de abril de 2008, Brasília foi palco do momento final da 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude. Um intenso processo de diálogo que, durante oito meses, mobilizou centenas de milhares de participantes por todo o país. A Conferência foi promovida pelo governo federal e organizada pela Secretaria Nacional de Juventude e pelo Conselho Nacional de Juventude.

Sem desconsiderar o sucesso alcançado na etapa nacional, com avaliação positiva de 85% dos participantes (2), é preciso levar em conta ter sido a primeira conferência, de uma política pública recente, com baixa institucionalidade nos estados e municípios e pouco assimilada como uma agenda importante na própria sociedade civil. Mesmo em nível federal, somente em 2005 foram criados a Secretaria e o Conselho Nacional de Juventude. Neste caso apesar do pouco tempo, há que se reconhecer que desde então este tema vem numa curva ascendente, com o fortalecimento desses dois órgãos e a ampliação dos recursos federais em programas e ações direcionadas à juventude.

Um segundo elemento que compõe o cenário desta conferência é a evidência do tema na agenda pública. Seja pela polêmica reiteradamente criada após episódios de violência envolvendo jovens adolescentes (normalmente em torno da redução da maioridade penal), seja pelo debate suscitado com a implementação de programas e ações governamentais voltados à juventude. Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), extensão da cobertura do Bolsa Família de 15 para 17 anos e o Programa Universidade para Todos (Prouni), servem para exemplificar.

Um terceiro elemento definidor do nosso cenário é o ambiente democrático na relação com a sociedade civil, expresso na existência de canais reais de participação, como o Conselho Nacional de Juventude e a própria Conferência. Somado a isto, os elevados índices de aprovação do governo federal, e do presidente em particular (3), em muito contribuíram para equilibrar e qualificar a relação entre governo e sociedade civil. Sem que houvesse falsos antagonismos ou restrições ao exercício da crítica.

Por último, esta Conferência, assim como os demais espaços de participação juvenil, também foi acompanhada por um estigma injustamente atribuído a esta geração de jovens: a alienação e a aversão quando se trata da sua relação com a política. Não foram poucas as vozes céticas ou conservadoras a duvidar da importância da Conferência enquanto um espaço para militância juvenil. Seja resgatando uma visão saudosista, da importante participação política de outras gerações, como um modelo para os jovens de hoje, seja reforçando um discurso individualista, no qual não cabem a organização coletiva e os sonhos de construção de outro tipo de sociedade. Estes distintos agentes políticos não estavam necessariamente abertos às surpresas que só algo inédito – como uma 1ª Conferência de Políticas Públicas de Juventude – poderia trazer.

Uma Conferência mobilizadora – 400 mil participantes

A Conferência foi lançada em 05 de setembro de 2007 pelo presidente Lula no mesmo evento em que foi anunciado o novo Projovem, programa cuja meta é alcançar, até 2010, 4 milhões de participantes com investimentos da ordem de 5,4 bilhões de reais. Nesse dia – denominado pela grande imprensa como o do lançamento do PAC da Juventude –, foi também assinado o decreto de convocação da Conferência. Tal documento presidencial, mais que um ato formal, apresentava os temas da 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude: 1) Juventude: democracia, participação e desenvolvimento nacional; 2) Parâmetros e diretrizes da Política Nacional de Juventude; e 3) Desafios e Prioridades para as Políticas Públicas de Juventude. Temas estes que muitos sintetizaram politicamente em três palavras: contexto, conceito e ação.

Após o lançamento, seguiu-se um grande número de debates preparatórios num total de 1558 etapas, distribuídas entre conferências estaduais, regionais, municipais, consulta a povos e comunidades tradicionais e conferência livres (4). Esses debates ocorreram a partir de 22 de setembro de 2007 e envolveram mais de 400 mil participantes.
Todos esses encontros produziram 4500 propostas nos mais variados temas e elegeram 2 mil delegados para a Etapa Nacional.

Uma conferência inovadora

Para além dos números é importante ressaltar três inovações ¨organizativas¨ que, na verdade, são a tradução prática de objetivos políticos da conferência.

Realização de etapas municipais eletivas: ocorreram em cidades onde a política de juventude es tava institucionalizada por meio de conselhos municipais, coordenadorias, assessorias ou secretarias municipais de juventude. As cidades que realizaram essas conferências elegeram dois delegados direta mente para a Etapa Nacional. Esta iniciativa trouxe para a Etapa Nacional a representação das experiências mais avançadas em nível local e tornou-se uma importante ferramenta para criação e fortalecimento de órgãos de juventude em todo o país, a ponto de os mesmos terem aumentado em 150% – se considerarmos o início e o final da Conferência (5). Para os defensores de uma política de juventude cada vez mais assumida pelo Estado em seus diversos níveis este é um dado significativo.

Consulta a povos e comunidades tradicionais: na verdade, foi um encontro da política de juventude com jovens de uma parcela da nossa população pouco conhecida e muito menos reconhecida que, com sua cultura, seus valores e tradições compõe a riqueza e a diversidade do povo brasileiro. O objetivo foi integrar, debater e colocar em evidência questões de jovens indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pantaneiros, de comunidades de terreiros, caboclos, mestiços, ciganos, pomeranos etc. Tal aproximação fez com que a Conferência Nacional de Juventude se tornasse mais ampla, mais democrática e mais brasileira.

Conferências livres: na verdade, como o próprio nome sugere, eram possíveis de ser realizadas por qualquer grupo de pessoas que estivesse interessado em debater e contribuir com propostas para a conferência. Elas permitiram a participação real de milhares de pessoas (6) que, provavelmente, não teriam tal possibilidade se ficássemos restritos às etapas municipais, regionais e estaduais. Nesses encontros, não havia eleição de delegados, o debate concentrava-se fundamentalmente nos temas das políticas públicas de juventude e, ao final, um relatório era enviado à coordenação nacional. Desses momentos saíram a maioria das 4500 propostas que chegaram à Etapa Nacional. Muitos temas não teriam virado resolução se este canal não existisse. No entanto, o aspecto mais fascinante desta experiência foi a possibilidade de envolvermos por um mesmo canal de participação a diretoria da UNE, a Confederação Brasileira de Skate, jovens em cumprimento de medidas sócio-educativas, mandatos parlamentares, rede da UBES, organizações religiosas, presidiários, fóruns de juventude, participantes do Projovem, juventudes partidárias, hip-hop, juventude rural etc etc etc.

Ainda não é possível mensurar a importância e o alcance dessa modalidade de conferência, que mereceria um texto à parte tamanha a riqueza de análises e interpretações que permite. No entanto, às Conferências Livres dedicaria uma afirmação que caberia para todo o processo da Conferência de Juventude e até mesmo para definirmos o sentido político da participação social no governo Lula: elas fortaleceram um sentimento de inclusão política e participação democrática indispensável para os que acreditam que a transformação social passa pelo reconhecimento e a ampliação da participação popular e pela democratização das estruturas do Estado. Encerro esta síntese sugerindo uma reflexão sobre a importância que damos, ou poderíamos dar, à chamada democracia participativa.
Etapa Nacional: “1, 2, 3, 4, 5 mil, a juventude unida vai mudar este Brasil !!!”

A principal palavra-de-ordem da 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas da Juventude expressa bem o clima da plenária final e o sentimento que cada participante levou em sua bagagem de volta. Somente quem presenciou (mais de 2,5 mil testemunhas) pode ter certeza de que essas frases não são fruto de um exagero retórico.

Após a sistematização, as propostas que chegaram à Etapa Nacional foram divididas em 23 temas/grupos (7) e durante três dias foram debatidas e priorizadas pelos participantes. A plenária final aprovou um documento político com três prioridades para cada tema/grupo, num total de 70 resoluções (8) e 22 prioridades para a Política Nacional de Juventude. Aqui também cabe mais uma observação: se, por um lado, a priorização torna mais difícil contemplar a infinidade de interesses legítimos existentes em qualquer Conferência, por outro, dá uma força política infinitamente maior para cada uma das resoluções aprovadas e oferece indicações mais objetivas para a ação do poder público. Enquanto algumas Conferências promovidas pelo governo federal têm até 500 resoluções a 1ª Conferência de Juventude optou, desde o primeiro momento, por estabelecer prioridades.

Novos arranjos de temas: consagrados e emergentes:
Uma breve análise sobre as deliberações da Conferência nos faz ver que foram aprovadas resoluções sobre temas consagrados nas políticas públicas de juventude, como trabalho, educação, esporte e cultura. Reforçando a idéia de que os direitos desse segmento populacional têm de ser assegurados por políticas universais que considerem as especificidades juvenis.

A Conferência incluiu também entre suas prioridades, temas estruturais que não dizem respeito exclusivamente ao seu temário (redução da jornada de trabalho, reforma política e democratização dos meios de comunicação) e tomou posição sobre questões polêmicas na sociedade, e que afetam diretamente a juventude (legalização do aborto e redução da maioridade penal).

Chamaria a atenção, porém, para a inclusão de temas emergentes que, em outras circunstâncias, dificilmente teriam destaque. Tal novidade deve nos fazer refletir sobre a existência de uma agenda política, contemporânea e real, de inúmeros movimentos juvenis, que se expressou nesta conferência. Nesta, a resolução mais votada diz respeito à juventude negra e entre as 22 prioridades aprovadas estão propostas relacionadas ao meio ambiente, juventude no campo, cidadania GLBT, jovens com deficiência, povos e comunidades tradicionais e jovens mulheres.

Objetivos alcançados e desafios renovados

Neste processo amplo e plural é bem provável que cada um dos participantes o fez com objetivos e motivações distintas. No entanto, durante a organização da Conferência alguns objetivos centrais foram perseguidos: 1) Promover o direito à participação; 2) ampliar a compreensão na sociedade sobre a juventude; 3) fortalecer a rede social e institucional em torno das políticas de juventude; e 4) indicar uma agenda de prioridades para o próximo período.

De certa forma, tudo o que foi escrito até aqui teve como referência esses objetivos. Por isso, afirmamos como vitoriosa esta conferência, sem deixar de reconhecer suas inúmeras falhas e limites.
Ao final, um conjunto de desafios ganhou impulso e visibilidade – mas não foram, e nem deveriam, ser resolvidos pela Conferência. Ainda assim, as resoluções aprovadas adquiriram um sentido muito maior que um papel ou uma publicação podem expressar. Foram legítimas e legitimadas pela grande maioria dos participantes, fortaleceram agendas políticas dos movimentos juvenis e, acima de tudo, impulsionaram o tema na agenda pública nacional.

Passada a Conferência, é indispensável tirar lições do processo, entender politicamente cada uma das resoluções, percebendo que as mesmas são dirigidas ao poder público, mas podem e devem fazer parte de uma agenda conjunta da sociedade civil, e dos movimentos juvenis em especial.
A política nacional de juventude, tema central desta conferência, tem como objetivo principal assegurar um conjunto de direitos que mude qualitativamente a vida de cada jovem brasileiro. E, deste último, mais que um legítimo demandante dos seus direitos, espera-se que seja um agente político comprometido com a construção de um país melhor não apenas para si. Aliás, o comprometimento com as causas maiores do desenvolvimento, da democracia e da igualdade social, tem sido a marca de sempre quando o assunto é a participação política da juventude.

Ao Conselho Nacional de Juventude cabe uma grande responsabilidade, pois se ele foi, ao lado da Secretaria Nacional de Juventude, o principal responsável pela realização da Conferência, deve ser, de agora em diante, o principal guardião e impulsionador das suas resoluções. Por ser um espaço institucional que abriga atores políticos do poder público e da sociedade civil, o Conjuve (9) é por natureza um espaço privilegiado para essa missão.

*Danilo Moreira coordenou a 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude, é presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), secretário-adjunto da Secretaria Nacional de Juventude e membro da Comissão de Juventude do Comitê Central do PCdoB.

Notas
Mesmo com a desejável predominância da participação juvenil, esta Conferência também foi voltada para gestores públicos municipais, estaduais e federais, pesquisadores, parlamentares, entidades de apoio e não jovens. A articulação interinstitucional e intergeracional é determinante para a consolidação das políticas públicas de juventude.
2 Em uma amostragem realizada no último dia do evento, perguntados se “a conferência atendeu às expectativas” os participantes ficaram assim distribuídos: Sim 49%, Na maior parte 36%, Apenas em parte 13%, Não 0%, Não respondeu 2%.
3 Pesquisa CNT/Sensus divulgada em 28 de abril revelava os seguintes índices de avaliação do Presidente: 69,3% aprovam; 26,1% desaprovam; 4,6% não responderam. E sobre o governo: 57,5% positivo; 29,6% regular; 11.3% negativo.
4 Distribuição de Etapas: 841 Municipais e Regionais, 689 Conferências Livres, 27 Estaduais e 1 Consulta Nacional aos Povos e Comunidades Tradicionais.
5 No total foram realizadas 244 etapas municipais eletivas, com 71.346 participantes. Elas foram realizadas por 46 Conselhos Municipais de Juventude, 62 Secretarias de Juventude e 123 outros órgãos (Coordenadorias, Departamentos, Assessorias etc). Antes da Conferência, não chegava a cem o número de órgãos que participavam do Fórum de Gestores Municipais de Políticas Públicas de Juventude.
(6) Foram realizadas 689 Conferências Livres com 137 mil participantes em todos os estados.
(7) 23 grupos: Educação Superior; Educação Profissional e Tecnológica; Educação Básica – Ensino Médio; Educação Básica – Elevação de Escolaridade; Trabalho; Cultura; Sexualidade e Saúde; Meio Ambiente; Política e Participação; Tempo Livre e Lazer; Esporte; Segurança Pública; Drogas; Comunicação e Inclusão Digital; Cidades; Família; Família; Povos e Comunidades Tradicionais; Jovens Negros e Negras; Jovens Mulheres; Cidadania GLBT, Jovens com Deficiência; Juventude no Campo; e Fortalecimento Institucional da Políticas Nacional de Juventude.
(8) A plenária final aprovou três propostas prioritárias para cada tema/grupo (69 propostas) e incluiu mais uma proposta que não se encaixava em nenhum dos temas, totalizando 70 resoluções da Conferência. Dentre estas, ainda foram estabelecidas 22 prioridades.
(9) O Conjuve tem 60 integrantes, com mandato de 2 anos, sendo 20 do poder público e 40 da sociedade civil. Os 40 conselheiros da sociedade civil são eleitos por meio de uma assembléia deste segmento.

EDIÇÃO 96, JUN/JUL, 2008, PÁGINAS 61, 62, 63, 64, 65, 66